A SOLIDÃO DA MULHER NEGRA E OS REFLEXOS NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Palavras-chave:
Direito das minorias, Racismo estrutural, Teorias Feministas, Interseccionalidade, Raça e gênero, Solidão da mulher negra, Justiça de transiçãoResumo
O presente artigo explora os conceitos de racismo estrutural, feminismo interseccional e solidão da mulher negra, delimitando particularidades quanto ao tratamento e descaso do Estado brasileiro em relação à este grupo de pessoas vulneráveis. Além disso, pretende-se levantar evidências da relação entre a discriminação e a solidão afetiva e como isso reflete negativamente na dignidade da pessoa humana. Apresenta-se a historicidade do sistema opressor e a falta de justiça de transição como uma das causas da continuidade da marginalização da mulher preta. Sendo o racismo e o sexismo elementos criadores e mantenedores das disparidades das relações sociais, discorre-se sobre como a opressão implica limitações fundamentais na vida dos indivíduos, o que impacta de maneira incisiva na autoestima. Enfim, procurou-se sistematizar o conhecimento acerca de raça e gênero, investigando-se o impacto danoso do preconceito nas relações deste grupo minoritário.
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Referências
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS:
1 - Entendido como um grupo de cidadãos que constituem uma minoria numérica numa posição não dominante em um Estado, dotados de características étnicas, religiosas ou linguísticas que se diferem daquelas da maioria da população, possuindo um senso de solidariedade entre si, motivados, ainda que apenas implicitamente, por uma vontade coletiva de sobreviver e cujo objetivo é alcançar igualdade em relação à maioria em fato e em direito. (DESCHÊNES apud WHEATLEY, 2005, p. 18)
2- O racismo estrutural corresponde a um sistema de opressão cuja ação transcende a mera formatação das instituições, eis que perpassa desde a apreensão estética até todo e qualquer espaço nos âmbitos público e privado, haja vista ser estruturante das relações sociais e, portanto, estar na configuração da sociedade, sendo por ela naturalizado. Por corresponder a uma estrutura, é fundamental destacar que o racismo não está apenas no plano da consciência – a estrutura é intrínseca ao inconsciente. Ele transcende o âmbito institucional, pois está na essência da sociedade e, assim, é apropriado para manter, reproduzir e recriar desigualdades e privilégios, revelando-se como mecanismo colocado para perpetuar o atual estado das coisas. De todas as transformações ocorridas com os modos de produção ao longo da história, o racismo no Brasil pode ser considerado como produto desta ordem social estabelecida pelo escravismo colonial, sendo, portanto, o elemento que permaneceu desde a gênese do Brasil, sobrevivendo a todas as transformações ocorridas, até o atual modelo neoliberal. O racismo está, assim, na essência do próprio Estado. Disponível em < https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/download/148025/147028/> Acesso em 10 de fevereiro de 2019.
3- No lançamento da Campanha #VidasNegras.
4 - O Infopen é um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro. O sistema, atualizado pelos gestores dos estabelecimentos desde 2004, sintetiza informações sobre os estabelecimentos penais e a população prisional. Em 2014, o DEPEN (Departamento Penitenciário) reformulou a metodologia utilizada, com vistas a modernizar o instrumento de coleta e ampliar o leque de informações coletadas. O tratamento dos dados permitiu amplo diagnóstico da realidade estudada, mas que não esgotam, de forma alguma, todas as possibilidades de análise.
5- “Entender sexo como uma construção social é desvendá-lo dentro de outro conceito chave no feminismo, que é o de gênero, defendido por Harding citado por Castro e Bronfman ( 1 993) como sendo "uma construção social sistemática do masculino e do feminino que está pouco (ou nada) determinado pela biologia (pelo sexo), presente em todas as sociedades, e que permeia todas as dimensões da vida social e privada". (p.378) Todavia, como bem salientam Castro e Bronfman ( 1 993), a produção de conhecimento científico numa perspectiva feminista não está respaldada apenas na teorização de idéias acerca das desigualdades de gênero, mas está estritamente vinculada à estrutura social predominante. A ênfase feminista, inclui ainda a consideração de preconceitos de classe e de raça. Sob este aspecto, torna-se imperativo lembrar que a ciência feminista teve sua origem não no mundo acadêmico mas no movimento soci” Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/reben/v50n4/v50n4a07.pdf> Acesso em 20 de janeiro de 2019.
6- CAIN, , Feminist jurisprudence: grounding the theories, 241.
7- CRENSHAW, A interseccionalidade na discriminação de raça e gênero. Cruzamento: raça e gênero. Painel 1
8 - Disponível em: https://www.geledes.org.br/mulher-negra-e-quem-paga-mais-impostos-brasil/. Acesso em 10 de fevereiro de 2019
9 - Destarte, em tese, seria o caso de os poderes públicos assegurarem o respeito por um núcleo essencial, um patamar de conteúdo mínimo, com ações e projetos definidos, desde logo, no orçamento do governo. Tal patamar proibiria a insuficiência de direitos fundamentais básicos, a fim de garantir a dignidade humana. Suzana Tavares da Silva chega a se referir a uma “mochila da dignidade humana”, a ser garantida a cada indivíduo pelos governantes (SILVA, 2010, p. 129 apud FILHO).
O mínimo existencial possui, assim, uma relação com a dignidade humana e com o próprio Estado Democrático de Direito, no comprometimento que este deve ter pela concretização da ideia de justiça social (HÄERLE, 2003, p. 356- 362 apud FILHO). Todavia, a defesa de um mínimo existencial, fundamentado em uma ideia de proibição de insuficiência, não pode reduzir os direitos sociais a padrões mínimos de existência, tendo por corolário a acomodação dos gestores públicos e decisores políticos. E, nesse ponto, os membros do Ministério Público e demais agentes públicos responsáveis pelo controle da administração pública precisam estar bastante atentos. Ora, a proibição da insuficiência tem que ser interpretada como um conceito dinâmico, como um verdadeiro ponto de partida, e não como um local de chegada. A partir dela, a efetivação dos direitos fundamentais em sua perspectiva social, não se entendendo que a efetivação de tais direitos termine com ela e nem que tal postulado trate apenas de garantir um mínimo vital.
10 - Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/qual-a-dimensao-do-problema- no-brasil/#brasil-e-o-5o-no-ranking-de-homicidios-de-mulheres> Acesso em: 10 de fevereiro de 2019
11- Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/qual-a-dimensao-do-problema-no- brasil/#brasil-e-o-5o-no-ranking-de-homicidios-de-mulheres> Acesso em 10 de fevereiro de
12- Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/mapa-da-violencia-2015- homicidio-de-mulheres-no-brasil-flacsoopas-omsonu-mulheresspm-2015/> Acesso em: 10 de fevereiro de 2019
13- Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/como-e-por-que-morrem-as- mulheres/#mulheres-negras-morrem-mais> Acesso em 10 de fevereiro de 2019
14- Jurema Werneck, integrante da ONG Criola, médica e Doutora em Comunicação e Cultura. Também integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil Brasil da ONU
15- Tânia Palma, assistente social e ex-ouvidora da Defensoria no Estado da
16- Magali Mendes, promotora legal popular (PLP) e integrante da associação de PLPs Cida da Terra de Campinas e Região.
17 - Disponível em: https://fpabramo.org.br/publicacoes/publicacao/pesquisa-mulheres-brasileiras-e-genero-nos-espacos- publico-e-privado-2010/. Acesso em 15 de fevereiro de 2019
18- O elevado número de cesáreas no Brasil, que se encontra em torno de 52% no setor público, podendo chegar a 88% no setor privado, contraria as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)[5]. A taxa ideal de cesáreas, de acordo com a OMS, seria entre 10% e 15%. Disponível em: http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/. Acesso em 15 de fevereiro de 2019.
19- A manobra de Kristeller é uma manobra obstétrica executada durante o parto que consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a saída do bebê. A manobra foi idealizada pelo ginecologista alemão Samuel Kristeller (1820–1900), que a descreveu em 1867. É realizada por auxiliar do obstetra, juntando-se as duas mãos no fundo do útero, sobre a parede abdominal, com os polegares voltados para frente, tracionando-se o fundo do útero em direção à pelve, no exato momento em que ocorre uma contração uterina durante o parto natural. Pode também ser utilizada durante a cirurgia cesárea. É importante ressaltar que a manobra de Kristeller é reconhecidamente danosa à saúde e, ao mesmo tempo, ineficaz, causando à parturiente o desconforto da dor provocada e também o trauma que se seguirá indefinidamente. Disponível em: http://www.corensc.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/Parecer-T%C3%A9cnico-001-2016-CT-Sa%C3%Bade-Mulher-Manobra-de-Kristeller.pdf. Acesso em 15 fevereiro de 2019.
20- Relacionados à gravidez, ao parto ou até 42 dias após o parto.
21 - Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/23/BE-2012-43–1--pag-1-a-7--- Mortalidade-Materna.pdf. Acesso em 20 de fevereiro de 2019
22- Disponível em <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/98/cd_2010_nupcialidade_fecundidade_migracao_amostra.pdf> Acesso em 10 de fevereiro de 2019.
23 - Há de se ressaltar que a classificação em análise é exclusivamente biológica. Em vista disso, se desconsiderou o exame de questões de gênero e sexualidade
24 - Disponível em <https://censo2010.ibge.gov.br/> Acesso em 10 de fevereiro de 2019
25 - Conselho de Segurança da ONU - UN Security Council - The rule of law and transitional justice in conflict and post- conflict societies. Report Secretary-GeneralS 2004/616. Disponível em <https://www.joaolordelo.com/single- post/2016/11/15/O-que-se-entende-por-%E2%80%9CJusti%C3%A7a-de-Transi%C3%A7%C3%A3o%E2%80%9D> Acesso em 10 de fevereiro de 2019
26 - Disponível em <https://museudoamanha.org.br/> Acesso em 10 de fevereiro de 2019
27 - O Brasil registrou 10 mil 136 assassinatos de jovens entre 11 e 19 anos em 2013, em média 28 mortos por dia. De acordo com o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo Mapa da Violência e coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), o número equivale a 3,5 chacinas da Candelária perpetradas diariamente. Dados apresentados por Júlio mostram que o índice de jovens negros, entre 16 e 17 anos, mortos no ano de 2013, é de 66,3 por 100 mil habitantes. O de jovens brancos, na mesma faixa etária, é de 24,2 por 100 mil. Para o ministro Pepe Vargas, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, os números são um alerta de que as chacinas não cessaram.
28 - As cotas raciais são ações afirmativas aplicadas em alguns países, como o Brasil, a fim de diminuir as disparidades econômicas, sociais e educacionais entre pessoas de diferentes etnias raciais. Essas ações afirmativas podem existir em diversos meios, mas a sua obrigatoriedade é mais notada no setor público – como no ingresso nas universidades, concursos públicos e bancos.
As cotas raciais são uma medida de ação contra a desigualdade num sistema que privilegia um grupo racial em detrimento de outros – esses, oprimidos perante a sociedade. Ao contrário do que diz o senso comum, cotas raciais não se aplicam somente a pessoas negras. Em várias universidades, por exemplo, existem cotas para indígenas e seus descendentes, que visam abarcar as demandas educacionais dessas populações. Há, em alguns lugares, cotas diferenciadas para pessoas pardas, também – caso contrário, estão inclusas nas cotas para negros. Disponível em: <https://www.politize.com.br/cotas-raciais-no-brasil-o-que-sao/> Acesso em: 10 de fevereiro de 2019.