GUERRA ÀS DROGAS E A CANNABIS MEDICINAL: A HIPOCRISIA DA PROIBIÇÃO E OS PARADOXOS DOS AVANÇOS REGULATÓRIOS

Autores

  • Natan Aguilar Duek

Palavras-chave:

Guerra às drogas, economia política da pena, cannabis medicinal, criminologia crítica

Resumo

O artigo aborda a questão da funcionalidade da guerra às drogas sob a ótica da economia política da pena, traçando em seguida uma abordagem crítica acerca da aplicação da Lei de Drogas e das regulamentações administrativas da ANVISA quanto à evolução da cannabis medicinal. Por fim, delineio à luz das experiências nacionais e internacionais possíveis caminhos pro estancamento do genocídio à conta-gotas operado pela guerra às drogas e caminhos para universalização da cannabis medicinal.

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Referências

Notas:

[1] MALAGUTI BATISTA, Vera. A juventude e a questão criminal no Brasil. p. 1. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2016/02/1053773b21eb7cc6e5600f16cc0663e4.pdf > Acesso em 1.2.23.

[2] Economia política da pena (EPP) é o nome dado a uma corrente de pensamento construída a partir das formulações antológicas de Rusche e Kirchheimer, Pachukanis continuada por autores como Melossi e Pavarini, Hall , Piven e Cloward , dentre outros cuja listagem exaustiva parece desnecessária. O relevante é que tais formulações culminam em novas abordagens de autores contemporâneos, imprimindo uma abordagem materialista aos campos da criminologia e da sociologia da punição a partir de dois postulados fundamentais, derivados essencialmente do clássico Punição e Estrutura Social : (i) mudanças na tendência de punição não são determinadas por variações nas estatísticas oficiais de criminalização, mas sim pelas condições do mercado de trabalho e pela degradação das condições de vida para a classe trabalhadora ; e (ii) os padrões e formas de punição tendem a estar ligados às mudanças nos modos de produção, enquanto parte integral da totalidade do sistema social. Ver: HALL, Stuart et al. Policing the crisis: Mugging, the state and law and order. London: Macmillan, 1978 apud DAL SANTO, Luiz Phelipe. Economia política da pena: contribuições, dilemas e desafios. Op. Cit; GARLAND, David. Punishment and modern society: a study in social theory. Oxford University Press: Chicago, 1990; GARLAND, Crime and social order in contemporary society. Oxford University Press: Chicago, 2001; DAL SANTO, Luiz Phelipe. Economia política da pena: contribuições, dilemas e desafios. Revista Direito e Práxis, Ahead of print, Rio de Janeiro, 2021. Acesso em: 1.3.23. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/52261. p. 4; KIRCHHEIMER, Otto. RUSCHE, Georg. Punição e estrutura social. Tradução de Gizlene Neder. Rio de Janeiro: Revan, 2004. pp. 265-281.

[3] MINHOTO, Laurindo Dias. Sistemas sociais e regimes punitivos na constelação neoliberal [livro eletrônico]. São Paulo: Escola Superior de Advocacia da OAB SP, 2021. p. 200.

[4] Diversas das reflexões a seguir provém de minha dissertação de mestrado, onde foram originalmente desenvolvidas. (DUEK, Natan Aguilar. Financeirização, superencarceramento e sistema penal letal: uma análise da correlação entre a financeirização da economia brasileira e a expansão do sistema punitivo. 2023. 172f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.)

[5] Othering é um processo de criação de um outro diferente, desviante, desumanizado, que é uma ameaça ao padrão dominante e precisa ser encarcerado ou completamente eliminado: nas palavras de Gonçalves, em um “processo simbólico em que o grupo social e o espaço a serem expropriados são retórica e discursivamente estabelecidos como um Outro prejudicado, inferiorizado atrasado ”. Para isso, mobiliza-se a insegurança subjetiva, o medo do crime, os sentimentos talvez mais primitivos de preservação explorados ao extremo para reprodução da ordem social. Ver: GONÇALVES, Guilherme Leite. Capitalismo e violência jurídica: ampliando a sociologia do direito marxista. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2018. Ano 26, nº 303. p. 18.

[6] Cabe uma ressalva terminológica: sistema penal subterrâneo foi a terminologia utilizada primeiramente por Castro para se referir a um sistema penal que operaria em “letal, mediante poderes excepcionales, como detenciones a disposicion del poder ejecutivo, y tambien um sistema penal subterraneo, que se ocupa de los secuestros, asesinatos, torturas y desapariccines forzadas, o sea, de los massacres ”, em fenômeno que não é estranho à normalidade do poder punitivo. Embora o termo mais recorrente na criminologia seja subterrâneo, fazendo referência à sua clássica formulação, utilizarei a palavra sistema penal letal, uma vez que que a emergência de um modelo de estado baseado em letalidade policial alçou o que era subterrâneo a um sistema que existe à margem da legalidade e dentro da legalidade, incentivado pelos gestores da legalidade de forma geral. Nada há de subterrâneo nisso. Trata-se da outra face punitiva de um sistema de punição voltado ao controle populacional das populações pobres e faveladas: a emergência de um sistema penal letal, que tampouco pode ser chamado de paralelo sob pena de incorrermos em fetiches legalistas. Constitui, em verdade, mais uma manifestação de uma face do poder punitivo voltada para o disciplinamento das populações pobres e negras, que cumpre funções determinadas no âmbito dos processos de expropriação de direitos e acumulação de capital. (CASTRO, Lola Anyar de. Derechos humanos, modelo integral de la ciência penal y sistema penal subterrâneo.In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Sistemas Penales y Derechos Humanos en América Latina (Primer Informe). Buenos Aires: Depalma, pp. 233-247, 1984; DUEK, Natan Aguilar. Op. Cit.)

[7] FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação de Mestrado em Direito pela Universidade de Brasília. 2006. p. 33

[8] DA MATA, Jéssica. A Política do Enquadro, São Paulo: RT, 2021, pp. 150-156.

[9] Criminalização da pobreza e pouca investigação no combate às drogas: veja conclusões de pesquisa engavetada pelo governo. G1. Disponível em <https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/03/18/criminalizacao-da-pobreza-e-pouca-investigacao-no-combate-as-drogas-veja-conclusoes-de-pesquisa-engavetada-pelo-governo.ghtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=share-bar-mobile&utm_campaign=materias> Acesso em 18.3.23.

[10] FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Op. Cit. p. 92.

[11] FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Op. Cit. p. 92.

[12] “É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia.” (BARROS, André; PERES, Marta Proibição da maconha no Brasil e suas raízes históricas escravocratas Periferia, vol. 3, núm. 2, julio-diciembre, 2011 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Duque de Caxias, Brasil)

[13] ROORDA, J. G. L. Criminalização da vadiagem na Primeira República: o sistema penal como meio de controle da população negra (1900-1910). Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 135, n. Setembro, p. 269-306, 2017.

[14] BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis. Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: Revan, 2003, pp. 130-133.

[15] Ibidem, pp. 133-134.

[16] ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 51

[17] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Colonização punitiva e totalitarismo financeiro: a criminologia do ser-aqui. Traduzido por Juarez Tavares. Rio de Janeiro: Da Vinci Livros, 2021.

[18] LEMGRUBER, Julita et al. Saúde na linha de tiro [livro eletrônico]: impactos da guerra às drogas sobre a saúde no Rio de Janeiro / Julita Lemgruber. [et al.] ; ilustração Laerte Coutinho. – Rio de Janeiro : CESeC, 2023. Disponível em < https://cesecseguranca.com.br/wp-content/uploads/2023/08/RELAT%C3%93RIO_Saude-na-linha-de-tiro.pdf> Acesso em 14.9.23.

[19] Tal RDC foi elaborada em cumprimento à decisão judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 0090670-16.2014.4.01.3400

[20] OLIVEIRA, Monique Batista de. VIEIRA, Miguel Said. AKERMAN, Marco. O autocultivo de Cannabis e a tecnologia social. In: Saúde Soc. São Paulo, v.29, n.3, e190856, 2020 1

[21] RAMOS, Lucia Lambert Passos. FIGUEIREDO, Emilio Nabas. SABOIA, Vladimir. O HC enquanto estratégia da advocacia ativista para incidir jurídica e politicamente na questão do cultivo de cannabis para fins medicinais no Brasil. Disponível em < https://www.migalhas.com.br/depeso/380585/o-hc-na-questao-do-cultivo-de-cannabis-para-fins-medicinais>

[22] HART, Carl. Drogas para adultos – tradução Pedro Maia Soares – 1ª. ed – Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

[23] Avaliação do Impacto de Critérios Objetivos na Distinção Entre Posse para Uso e Posse para Tráfico. Associação Brasileira de Jurimetria.

[24] Pacheco diz que vai apresentar PEC para criminalizar drogas em qualquer quantidade. CNN . Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pacheco-diz-que-vai-apresentar-pec-para-criminalizar-drogas-em-qualquer-quantidade/> Acesso em 15.9.23.

[25] KREPP, Anita. Nova York cheira a maconha, agora legalizada. Poder 360. Disponível em <https://www.poder360.com.br/opiniao/nova-york-cheira-a-maconha-agora-legalizada/> Acesso em 15.9.23.

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Publicado

22.09.2025

Como Citar

Natan Aguilar Duek. (2025). GUERRA ÀS DROGAS E A CANNABIS MEDICINAL: A HIPOCRISIA DA PROIBIÇÃO E OS PARADOXOS DOS AVANÇOS REGULATÓRIOS. Revista Eletrônica Da OAB-RJ. Recuperado de https://revistaeletronicaoabrj.emnuvens.com.br/revista/article/view/529