NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE RACIOCÍNIO PROBATÓRIO

Autores

  • Catarina Bussinger

Palavras-chave:

Hipótese fática 2, Enunciado provado 3, Probabilidade indutiva 4, Processo Penal

Resumo

O artigo tem o objetivo de introduzir três pontos de discussão elementares para o problema da prova (como provamos os fatos?). Na primeira seção, é apresentado o problema epistemológico relativo ao empirismo. Na segunda seção, é definida a noção de raciocínio probatório. Na terceira seção, são abordados os problemas de centralizar a prova no convencimento do julgador. O pano de fundo da reflexão é restrito ao contexto jurídico-penal e, em última análise, é discutida a pertinência do conceito geral de prova no contexto jurídico.

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Referências

Referências Bibliográficas

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[1] Advogada Criminal. Integra a equipe de advogados do Projeto de assistência jurídica criminal pro bono vinculado à SACERJ. Doutoranda em Direito Penal pela UERJ. Mestre em Direito pela UFRJ. Pós-graduada em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS. Graduada em Direito pela UERJ. Os interesses de pesquisa abrangem a teoria da argumentação, a teoria da prova e a teoria do delito.

[2] Zaffaroni; Batista, 2011, p. 40

[3] É importante ressalvar que tribunais são uma das agências do sistema de justiça criminal. Por sua vez, o processo de criminalização não se reduz ao processo judicial, assim como o processo judicial não está imune a fatores que podem determinar o funcionamento do sistema de justiça criminal. Pode ser citado como exemplo o marcador racial da seletividade penal. Ver mais em: Zaffaroni; Batista, 2011.

[4] Segundo Neil MacCormick (2005), o fato operativo é um ato ou evento que opera na norma geral para trazer uma consequência relevante. Expressando em forma de argumento: Se fato operativo, então consequência normativa (Se FO, então CN). Por sua vez, o fato particular é uma instância do fato operativo (universal). Pode ser citado como exemplo de fato operativo: se uma pessoa trouxer consigo droga, a penal aplicada será no mínimo 5 anos. Pode ser citado como exemplo de fato particular: Caio trouxe consigo 5g de cocaína.

[5] Ferrer Beltrán, 2007. É importante destacar que a expressão “fato particular” é uma simplificação expositiva. Não provamos o fato, mas o enunciado sobre o fato, isto é, a hipótese fática (Ferrer Beltrán, 2005). Por “fato”, pode-se compreender o evento que torna o enunciado verdadeiro (González Lagier, 2019b).

[6] Enquanto a concepção persuasiva apela para a subjetividade do julgador, a concepção racionalista reivindica um objetivismo crítico, isto é, que considera a possibilidade do conhecimento objetivo do mundo, mas não ignora as limitações epistemológicas - a natureza indutiva - e ontológicas - a realidade é também mediada por nossos esquemas conceituais (Accatino, 2019). Vale dizer que, para o modelo racionalista, a finalidade da atividade probatória é a verdade no sentido de correspondência. Ver mais em: Accatino, 2019.

[7] Gascón Abellán, 2010

[8] Método indutivo: a partir da observação da regularidade entre fenômenos e estabelecendo relações entre eles, as leis científicas são generalizações indutivas (Gascón Abellán, 2010; Marcondes, 1997).

[9] Como justificar as leis empíricas mais gerais que estabelecem a causalidade? Não podemos justificar. “Para Hume, portanto, a causalidade resulta apenas de uma regularidade ou repetição em nossa experiência de uma conjunção constante entre fenômenos que, por força do hábito, acabamos por projetar na realidade, tratando-a como se fosse algo existente. É nesse sentido que pode ser dito que a causalidade é uma forma nossa de perceber o real, uma ideia derivada da reflexão sobre as operações de nossa própria mente, e não uma conexão necessária entre causa e efeito, uma característica do mundo natural” (Marcondes, 1997, s.p.).

[10] Marina Gascón Abellán (2010) nos lembra da tentativa kantiana de resolver o impasse entre o empirismo e o racionalismo: juízos sintéticos a priori fundariam os juízos de experiência. No entanto, o problema permanecia com a manutenção do ideal regulativo da certeza.

[11] “Pero – como el mismo HEMPEL advirtió – la confirmación empírica de los datos derivados de una hipótesis no hace a ésta deductivamente concluyente, sino que tan sólo le presta un cierto apoyo inductivo; es decir, tan sólo la hace probable en un cierto grado. De nuevo el problema de la inducción se levanta como el muro infranqueable del conocimiento empírico infalible, aunque se empieza a aceptar ya, de manera generalizada, la legitimidad de un enunciado que sólo puede ser confirmado en algún grado por la observación” (Gascón Abellán, 2010, p. 22).

[12] Não estaria em jogo, portanto, o realismo ontológico, ao qual alguma concessão é necessária: existe um mundo objetivo, independentemente do sujeito que o conhece (Gascón Abellán, 2010).

[13] Daniel González Lagier (2007) pontua que se trata de uma gradação entre os tipos ideais: o fato se aproxima de um ou outro extremo conforme dependa mais ou menos de condições materiais do mundo ou de conceitos.

[14] González Lagier, 2019b. Vide nota de rodapé 5. Um exemplo pode ajudar a compreender a distinção: pensemos na hipótese fática “Caio trouxe consigo 5g de cocaína” (vide nota de rodapé 4). O pó branco apreendido (objeto) não se confunde com o fato de existir determinados elementos químicos que o identificam como cocaína, que por sua vez não se confunde com enunciado “a substância apreendida é cocaína”. O que provamos é o enunciado. O fato confirma o enunciado. O objeto é imprescindível para o teste químico, meio de prova apto a atestar se o fato se produziu ou não.

[15] Para os sentidos de “provável”, ver: Dei Vecchi, 2020

[16] Walton, 1990, p. 401-402. Também nesse artigo, Douglas Walton debate a importância da lógica informal para o campo de estudo da argumentação.

[17] Podem ser citados como exemplos de um esquema de argumento: (i) premissa à conclusão, onde por à compreende-se a relação de inferência; (ii) o silogismo jurídico, que na teoria da argumentação jurídica corresponde à justificação interna do argumento; (iii) o esquema de argumento de Toulmin, adotado por Daniel González Lagier para representar as inferências probatórias, que na teoria da argumentação jurídica corresponde à justificação externa do argumento. Para as noções de justificação interna e justificação externa do argumento, ver: Badaró, 2019; Shecaira; Struchiner, 2016.

[18] Um exemplo pode ajudar a visualizar sobre o que estamos tratando. Consideremos os seguintes enunciados: “Caio trouxe consigo 5g de cocaína” (conclusão), “a substância apreendida com Caio é cocaína” (premissa) e “estão presentes os elementos químicos que identificam a substância apreendida como cocaína” (garantia). O raciocínio probatório consiste em inferir a conclusão da premissa, por meio de uma garantia que liga (autoriza a ligação entre) os dois. Para Daniel González Lagier, identificaríamos esta inferência probatória como de tipo epistêmico e poderíamos representá-la de acordo com o esquema de argumento de Toulmin. Para os tipos de inferência probatória, ver: González Lagier, 2015; Matida; Herdy, 2019.

[19] Shecaira; Struchiner, 2016, p. 29

[20] Podemos classificar como raciocínio indutivo aquele em que a verdade das premissas não contém a verdade da conclusão, mas as premissas são uma razão para aceitar a conclusão (González Lagier, 2019a, s.p.).

[21] Na concepção racionalista da prova, essas informações são os “elementos de juízo” e a probabilidade indutiva é considerada o modelo de justificação adequado para inferência entre os elementos de juízo e a hipótese fática (Badaró, 2019; Dei Vecchi, 2020; Ferrer Beltrán, 2007). Para o método de obtenção de corroboração e refutação de hipóteses, ver: Ferrer Beltrán, 2007.

[22] Na concepção racionalista da prova, o juiz decide sobre o enunciado probatório (está provado que p), cujo sentido é do que “há elementos de juízo suficientes a favor de p” e cuja força é descritiva da presença dos elementos de juízo em dado contexto processual (Ferrer Beltrán, 2005). A decisão sobre a hipótese fática é o último dos três momentos da atividade probatória: o momento da formação do conjunto de elementos, o momento da valoração do conjunto de elementos e o momento da decisão sobre o conjunto de elementos. Ver: Ferrer Beltrán, 2007. Gustavo Henrique Badaró (2019) acrescenta dois momentos aos três já mencionados (ou, melhor dizendo, considera-os explicitamente): (i) o momento da investigação, anterior ao momento da formação do conjunto de elementos (e anterior ao próprio processo, uma vez que este se inicia com o oferecimento da denúncia); (ii) o momento da justificação, que é posterior ao momento da decisão. Ao contrário do que poderia sugerir certa intuição – a de que decidimos para depois justificar -, Badaró chama a nossa atenção para a circunstância de que o juiz somente pode e deve decidir pelo que é capaz de justificar.

[23] Ferrer Beltrán, 2007

[24] A regulação jurídica pode influenciar, por exemplo, na riqueza do conjunto de provas, com as regras de admissão e exclusão, e no momento de produção. Para as regras jurídicas sobre a prova e sua relação com o problema da prova, ver: Ferrer Beltrán, 2005, 2007. O autor espanhol discute os fundamentos da cisão entre os conceitos de prova na seção de Introdução da Primeira Parte do livro “La valoración racional de la prueba” (2007).

[25] A finalidade de averiguação da verdade (no sentido de correspondência) é finalidade da atividade probatória no modelo racionalista da prova. Algumas razões são oferecidas para isso. Em primeiro lugar, se o Direito vincula consequências jurídicas a fatos particulares, não é incompatível com o processo (contexto no qual ocorre a imputação) a finalidade de almejar a verdade do que ocorreu. Em segundo lugar, a relação entre prova e verdade é teleológica - e não conceitual-, de modo que a verdade/falsidade da hipótese fática (p) não se confunde com a verdade/falsidade do enunciado probatório (está provado que p). Para o contexto do processo penal, essa distinção é particularmente importante. Suponhamos que o acusado tenha praticado o crime, mas no âmbito do processo j não houve provas suficientes para condená-lo. Por força da regra do in dubio pro reo, o juiz deve decidir como se o acusado fosse inocente. Isso pode ser materialmente falso (no sentido de que não corresponde ao que ocorreu no mundo), mas não constitui um erro de decisão, pois não foi provado que o acusado praticou o crime (não está provado que p). Em terceiro lugar: se por um lado a verdade não pode ser absolutamente alcançada, nos aproximarmos mais ou menos dela nos compromete com o grau de correção entre o que afirmamos e o mundo. Por fim: a finalidade de averiguação da verdade não é a única finalidade da atividade probatória. O Direito também protege outros valores, que convivem e podem até contrariar o valor da verdade. Por todas as razões, ver: Ferrer Beltrán, 2005, 2007; Gascón Abellán, 2010.

[26] Em linhas gerais, podemos dizer que o juiz crê que algo ocorreu (crê em p).

[27] Essa é uma expressão que Gustavo Henrique Badaró já utilizou em painéis. Por julgador não sincero, entenda-se aquele que decide contra o próprio convencimento. Aqui é interessante destacar duas características da crença que a tornam inapropriada para o problema da prova (Ferrer Beltrán, 2005, 2021). Primeiramente, a crença é um ato involuntário, isto é, crer em algo nos sucede e não temos acesso total aos motivos que formaram a nossa crença. Desse modo, ainda que o julgador seja sincero, ele não consegue mais que explicar os motivos que o levaram a crer numa hipótese (o que não se confunde com justificar a hipótese). Também precisamos nos perguntar como seria possível demonstrar a sinceridade do julgador. Em segundo lugar, a crença independe do contexto, isto é, o sujeito crê em algo tanto num contexto A quanto num contexto B. No parágrafo seguinte, iremos explorar o problema do convencimento com ênfase na segunda característica. Ver mais em: Ferrer Beltrán, 2005, 2021.

[28] “Se trata, pues, de que la decisión probatoria cuente con buenas razones epistémicas y normativas que le den fundamento suficiente. Las primeras resultarán de la valoración individual y conjunta de la prueba, a los efectos de determinar el grado de corroboración que los elementos de juicio aportados al proceso otorgan a las distintas hipótesis fácticas en conflicto. Las razones normativas, en cambio, apuntan a la suficiencia o insuficiencia de esa corroboración, que habrá que justificar sobre la base de los estándares de prueba aplicables al caso” (Ferrer Beltrán, 2021, p. 188-189).

[29] A aceitação é o ato voluntário pelo qual o julgador incorpora a hipótese fática ao raciocínio em determinado contexto, sendo os critérios de aceitabilidade aqueles que possibilitam o controle da correção da decisão (Ferrer Beltrán, 2005, 2021). Um exemplo pode ajudar visualizar a questão do erro de decisão. É útil retomar a nota de rodapé 22, em que são apresentados o sentido e a força do enunciado probatório (está provado que p). Pensemos na hipótese fática p “Caio trouxe consigo 5g de cocaína” e no meio de prova apropriado a confirmar a natureza da substância, o teste químico. Suponhamos o seguinte cenário: no processo j foi produzido laudo pericial definitivo não conclusivo de que a substância apreendida é cocaína. Não há elemento de juízo suficiente a favor de p, o que significa dizer que não está provado que p. O juiz, portanto, deve não aceitar a hipótese fática p, declarando que, no contexto do processo j, não está presente elemento de juízo suficiente a favor de p. Se o juiz aceitar a hipótese fática p, declarando que está provada, constituirá um erro de decisão. Ver mais em: Ferrer Beltrán, 2005. Para finalizar, vale chamar a atenção para o termo “suficiente”: refere-se ao standard de prova. O que um standard de prova faz é distribuir o risco de erro (falsa absolvição/ falsa condenação) entre as partes, de modo que (i) o maior ou menor nível de suficiência vai expressar uma escolha por suportar um tipo ou outro de erro, (ii) e o cumprimento do standard de prova é o que determina a correção da decisão. Ver: Ferrer Beltrán, 2021.

[30] É importante ter em mente que o caminho não é isento de discordâncias entre os próprios adeptos da tradição racionalista. Daniela Accatino (2019) ressalta, por exemplo, as diferenças nas abordagens atomista e holista da valoração racional da prova, assim como debates sobre a formulação de standards de prova. Contudo, este artigo não pretendeu dar conta dessas especificidades, e cabe dizer que, em boa medida, referenciou especificamente o trabalho de Jordi Ferrer Beltrán ao tratar de algumas noções relevantes ao tema da prova. Para um panorama geral da tradição racionalista, a partir da revisão da literatura, ver: Accatino, 2019.

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Publicado

11.09.2025

Como Citar

Catarina Bussinger. (2025). NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE RACIOCÍNIO PROBATÓRIO. Revista Eletrônica Da OAB-RJ. Recuperado de https://revistaeletronicaoabrj.emnuvens.com.br/revista/article/view/471

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Artigos