TEORIAS JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS E PRÁTICAS SOCIAIS

Autores

  • Maria Guadalupe P. Fonseca

Palavras-chave:

teoria jurídica e sua contemporaneidade, práticas sociais, interdisciplinaridade, visão crítica do direito, influência de outros saberes

Resumo

As teorias jurídicas contemporâneas no contexto do conhecimento do direito caracterizado por uma perspectiva crítica, interdisciplinar e inspirada nas práticas sociais.

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Referências

Teorias jurídicas contemporâneas

Dentre as teorias jurídicas contemporâneas eu destaco, desde logo, duas que cabem no contexto da teoria da argumentação e da interpretação de meados do século XX.

Uma delas é a Tópica-problemática de Theodor Vieweg (1907/1988) uma teoria da argumentação que busca critérios seguros para fundamentar decisões. Th. Vieweg, filósofo alemão era juiz daí a sua atenção voltada para a solução de casos concretos que chegam ao Poder Judiciário.

A tópica é uma técnica de pensar problemas. Duas afirmações de Vieweg são importantes. A primeira é a de que no direito não há certezas absolutas. A segunda, corolário da anterior, afirma que o direito é um sistema aberto à reflexão, partindo sempre do provável. Trata-se de um sistema dialético de re-compilação de pontos de vista (topos) em permanente movimento. Parte do simples, do especifico para o geral: “a arte de pensar problemas”, na expectativa de uma solução justa. Busca critérios racionais para fundar decisões a partir de conflitos concretos, com o intuito de romper com o modo sistemático e dedutivo de raciocinar.

Th Vieweg vai buscar em Aristóteles e na prática jurídica dos pretores romanos elementos do pensar tópico solucionando conflitos de forma casuística com base na opinio communis. A justiça entre os romanos se formava assim: da opinio communis se extraiam princípios que serviriam de fundamento para novas decisões. Em Th. Vieweg, a argumentação é uma ferramenta na busca da melhor decisão.

A tópica retórica de Th. Vieweg foi muito criticada, por exemplo, pelo espanhol Manuel Atienza (1951) (As razões do Direito) e Robert Alexy (1945) alemão (Teoria sobre os Direitos Fundamentais). Entendem esses autores que a teoria é ingênua e pouco precisa. Arrisca desprestigiar a leis sem substituí-la por algo mais seguro. Contudo, reconhecem que as idéias de Th. Vieweg trazem sugestões importantes para o enfrentamento do tema da interpretação nos dias de hoje.

Outra importante teoria jurídica contemporânea é a do jurista e filosofo do direito Herbert Hart (1907/92). Esse autor, embora considerado um representante do positivismo jurídico, ou da teoria analítica do direito, é um inovador do pensamento jurídico do século XX e, até certo ponto, abre espaço para se refletir sobre o que é o direito para além das estruturas do próprio positivismo jurídico.

A compreensão do conceito de direito, da teoria da interpretação judicial, da responsabilidade do juiz diante da sua tarefa de intérprete das leis e dos casos numa democracia são temas discutidos por Hart, cujo interesse permanece intacto hoje. Segundo Hart a maioria das leis permite interpretações e soluções judiciais diferentes. O juiz escolhe entre sentidos alternativos das leis. A leitura de Hart é útil e mesmo necessária, porque esse autor não é um positivista clássico, no sentido de John Austin cuja teoria é objeto da sua crítica. Seu pensamento é bastante original e inspirador de reflexões sobre as mudanças sociais e como repercutem no direito.

No campo da sociologia, vale destacar Jurgen Habermas (1929). Conta 91 anos. Pertence à 2ª. Geração da Escola de Frankfurt. Sua teoria critica vincula-se ao pragmatismo contemporâneo. Dois conceitos são fundamentais para o desenvolvimento do pensamento habermasiano: o conceito de razão comunicativa oposta à razão instrumental que, segundo Jurgen Habermas, teria desencadeado o holocausto judeu, a lógica da barbárie; e o conceito de esfera pública, espaço de interação e discussão.

Dois dentre os muitos livros de Habermas, são especialmente importantes para os objetivos de uma abordagem jurídica crítica: Teoria da Ação Comunicativa e Inclusão do Outro. Nesses escritos o autor afirma o reconhecimento da pluralidade como requisito para a formação de sociedades republicanas democráticas.

Habermas propõe–se superar o conceito de racionalidade instrumental da ciência e da técnica – que toma conta dos espaços institucionais da sociedade – ampliando o conceito de razão e chegando ao conceito de razão comunicativa. A razão comunicativa, segundo Habermas, é a que se utiliza na prática do discurso, que através da linguagem, busca o consenso.

No seu livro de 1996, A Inclusão do Outro, Habermas insiste na ideia de que a política e o direito numa democracia dependem de propostas inclusivas sem preconceitos de qualquer ordem. Para o êxito da inclusão, digo eu, o instrumental jurídico é de fundamental importância. As instituições jurídicas, como a lei e o judiciário precisam estar atentos para que, tal como imagina Habermas, o respeito recíproco prevaleça entre todos: iguais e distintos, conhecidos e estranhos entre si.

Discutiu-se na literatura jurídica brasileira, desde inícios de 80, as vantagens e mesmo a necessidade de se forjar um pensamento crítico sobre a realidade social e jurídica no Brasil. Luiz Fernando Coelho, professor da Universidade Federal do Paraná, publicou em 1982 o livro Teoria Crítica do Direito. Mais adiante, em 1995, Antonio Carlos Wolkmer, professor da Unisinos no Rio Grande do Sul, publicou uma Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. Em 2003 Edson Fachin publicou a Teoria Critica do Direito Civil: à luz do novo código civil brasileiro. A essa mesma linha de pensamento pertencem às publicações sobre o Direito Alternativo. No contexto da proposta alternativa vale lembrar aqui a revista Contradogmáticas dirigida pelo jurista Luís Alberto Warat, as publicações do IAJUP – Instituto de Apoio Jurídico Popular, dirigido por Miguel Pressburger e as publicações do projeto O Direito achado na Rua.

Atualmente não acompanho, ou apenas esporadicamente, essa linha de investigação. Mas, o que é certo, é que as críticas do Direito e também do Estado nunca chegaram a construir teorias. Tratou-se, como ainda se trata, de uma permanente atenção e reflexão em torno das limitações do direito institucionalizado diante das sempre crescentes e diversificadas e mutáveis demandas sociais, oriundas de muitos setores da sociedade. Obviamente, que a perspectiva crítica do direito sempre esteve comprometida com as demandas dos segmentos mais destituídos da sociedade tanto no setor rural como na cidade.

Hoje essas questões aparecem imbricadas com o problema da proteção ambiental. A expulsão dos índios, por madeireiros e grileiros, das áreas ocupadas pelas tribos é um exemplo contundente da necessidade de uma ação jurídica mais eficaz. O intuito é derrubar matas para a criação de gado. As leis garantem aos índios a posse permanente das terras da União e o usufruto dos rios, lagos e riquezas do solo. Contudo, em face da ausência de demarcação ou demarcação não adequada as populações indígenas sofrem com a poluição dos rios causada pela presença de usinas hidrelétricas dentre outras intervenções em suas terras, tornando sua vida impossível e expulsando-os para outros lugares. O que fazer juridicamente?

Recentemente, com a pandemia que assola o mundo, aqui no Brasil os óbitos ocorrem de preferência nas populações mais pobres. O estarrecedor é que as instituições políticas, mas também as jurídicas, não respondem satisfatoriamente aos problemas que se acumulam como a falta de condições do SUS e a fome das famílias que perderam suas fontes de renda por causa do isolamento. Os auxílios emergenciais são ridículos, mas o que está ao alcance das instituições jurídicas fazer?

Na análise, supostamente substituta da teoria jurídica de corte dogmático, se questionava a necessidade de reavaliar conceitos, discutir as chances de se abrir, no âmbito teórico-jurídico, espaço para a discussão em torno da possível recepção pela teoria jurídica dos conceitos e métodos de outras ciências, principalmente, da sociologia, com o intuito de torná-lo um instrumento mais rico e eficaz de compreensão das relações sociais. Tratava-se de inicio de explorar a possibilidade de abrir brechas na teoria jurídica existente de forma a torná-la permeável às práticas sociais de segmentos sociais mais desfavorecidos.

Já havia alguns anos autores juristas vinham tentando incorporar ao conhecimento jurídico elementos do pensamento crítico, de inspiração marxista e também kantiana. Um dos expoentes dessa linha teórica é o francês Michel Mialle. Sua Introdução Crítica ao Direito (1975) foi muito festejada aqui no Brasil onde ele esteve alguma vez. Entre os autores nacionais se destacam, como foi dito acima, Roberto Lira Filho, da Universidade de Brasília, de formação marxista, como também autores que começaram a debater o direito alternativo a partir de 1970. No Rio de Janeiro o Instituto de Apoio Jurídico Popular (IAJUP) liderado por Miguel Pressburger foi pioneiro nessa reflexão e na formação de advogados para o movimento popular. O tema Teoria Jurídica e Práticas Sociais foi inaugurado, pois, sob a égide da reflexão crítica e interdisciplinar, muitas vezes de inspiração marxista, mas não sempre. Há outras influências teóricas relevantes que merecem ser ainda exploradas.

Uma das linhas de pensamento válida para se pensar criticamente o direito é a da argumentação e retórica iniciada por Chaim Perelman, polonês (1912/84). Na Belgica, onde viveu a maior parte da vida, Perelman publicou o Traité de l’argumentation – La nouvelle rethorique, escrito em parceria com Lucie Olbrechts-Tyteca. O seu livro sobre o direito é Lógica Jurídica, traduzido e publicado pela editora Martins Fontes. Hoje, mais do que em tempos passados, a lógica aplicada à argumentação jurídica é um instrumento de suma importância em face das tormentosas questões jurídicas com as quais se enfrentam os tribunais. Casos jurídicos que apresentam aspectos não perfeitamente assimilados pelas leis (informática e outras tecnologias, como a das áreas biomédicas e neuropsicológicas, etc), colocam em evidência situações para as quais o argumento convincente em prol da melhor decisão nem sempre tem apenas na lei o ponto de partida.

Zigmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, (1925/2017), com seu conceito de modernidade liquida contribui para se refletir sobre o modo como ocorrem as relações sociais atualmente. As questões prediletas desse autor giram em torno da globalização, da ética, da política, da comunicação. Seu mote é a constante transformação da modernidade que ele denomina “líquida”. “A mudança é a única coisa permanente e a incerteza a única certeza”. Temas para a pauta da reflexão jurídica: como fica a teoria e a prática jurídicas diante das afirmações de Baumant sobre as mudanças constantes do conceito de cidadania e de direitos humanos, por exemplo? Que respostas político-jurídicas oferecer às oposições gritantes como igualdade versus desigualdade, muros versus pontes? Em Vidas Despedaçadas, livro de 2003, Baumant coloca para a reflexão dos juristas o tema da sobrevivência de contingentes humanos de destituídos que vagam pelo mundo, sem leis que os protejam, alijados do sistema de produção. Qual o destino essas massas? O que as teorias jurídicas têm a dizer sobre esses fenômenos contemporâneos?

Cito aqui ainda, com a liberdade de escolha que me atribuo, outro autor que considero deva ser incorporado aos teóricos do tempo Kairós. Trata-se do sociólogo do direito Boaventura de Sousa Santos, português, natural de Coimbra. Esse autor, considerado um sociólogo dos mais eminentes da atualidade, traz sugestões interessantes para se pensar o direito e a sociedade do século XXI. A matriz das ideias de Boaventura do Sousa Santos é crítica e interdisciplinar. A sua mais recente proposta é de construção do que denominou Epistemologias do Sul. Trata-se de um conjunto de procedimentos que visa a validar o conhecimento nascido na luta contra males que impactam negativamente a vida social, de modo particular nas sociedades democraticamente frágeis como a nossa. Esses males são o colonialismo, o capitalismo e o patriarcado.

Boaventura de Sousa Santos toca no cerne do tema da justiça/injustiças do nosso tempo - questão magna do direito - quando confronta a democracia com o sistema econômico capitalista. Também quando discute a questão das “fronteiras invisíveis” entre seres humanos e seres sub-humanos que não merecem os direitos dos humanos. Sousa Santos coloca como pauta de reflexão graves dimensões da injustiça social para todas as áreas do conhecimento social, mas o tema tem repercussões especialmente importantes no campo do direito.

Desde meados do século XX, juristas, filósofos, sociólogos, aos quais, neste início do século XXI, se acrescentam os cientistas da área da saúde física e mental, os pedagogos, os ambientalistas, os escritores, os cineastas, etc, trazem sugestões, a partir de diferentes pontos de vista, para se (re)pensar o direito. Como abarcar formas diferentes de luta que eclodem no meio de grupos sociais que se multiplicam; como validar, sem preconceitos, conhecimentos que extrapolam o conhecimento hegemônico; como reconhecer como práticas culturais legítimas aquelas que transbordam das fôrmas dos modelos tradicionais de agir e de pensar; como enfrentar a violência e a insegurança nas sociedades cada vez mais tumultuadas e ao mesmo tempo garantir o respeito aos direitos individuais?

Diante dessas e de outras questões preocupantes, as novas teorias e seus insights e sugestões se juntam a outras mais antigas, mas ainda contemporâneas, na busca de equacionamentos jurídicos apropriados. Pertencem todas ao tempo Kairós.

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Publicado

22.09.2025

Como Citar

Maria Guadalupe P. Fonseca. (2025). TEORIAS JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS E PRÁTICAS SOCIAIS. Revista Eletrônica Da OAB-RJ. Recuperado de https://revistaeletronicaoabrj.emnuvens.com.br/revista/article/view/522

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