O DIREITO DA CANNABIS NO BRASIL: MEDICINA, GUERRA ÀS DROGAS E MANUTENÇÃO DO PODER NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Autores

  • Marcia Dinis

Palavras-chave:

Cannabis, guerra às drogas, sistema de justiça criminal

Resumo

Trata-se de estudo realizado por meio do método de pesquisa quantitativo-qualitativo, o qual se propõe a refletir criticamente sobre a evolução do Direito do setor da Cannabis Medicinal no Brasil em contraposição à manutenção da política de guerra às drogas. Busca-se analisar o aumento do uso do medicamento no país, as perspectivas de crescimento industrial e comercial do mercado e como o Direito tem proporcionado tais avanços. Além disso, discorre sobre a persistência da violenta política de guerra às drogas, que resulta na morte daqueles que não são vistos como sujeitos de direitos. Aborda o paradgima liberal do Direito e explica o Direito como fenômeno político. Trata ainda das particularidades do sistema de justiça criminal, especialmente da seletividade penal, e chama atenção para a questão racial presente na política de drogas.

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Referências

Notas:

[1] Advogada criminalista, mestre em criminologia (UCAM), bacharela em Comunicação Social (UFF) e Direito (UERJ). Presidenta da Comissão de Criminologia do IAB, Vice Presidenta da SACERJ e membro da Comissão do Direito do Setor da Cannabis Medicinal da OAB-RJ. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0844844185098829.

[2] MIKURIYA, Tod H. Marijuana in medicine: past, present and future. California Medicine, São Francisco: vol. 1, n. 110, 1969, p. 34.

[3] VALOIS, Luís Carlos. O Direito Penal da Guerra às Drogas. 3ed. São Paulo: D’Plácido, 2020, p. 54-55.

[4] A pesquisa “The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids: The Current State of Evidence and Recommendations for Research”, e.g., analisou 10.700 estudos sobre os efeitos terapêuticos da Cannabis publicados entre 1999 e 2016 e registrou evidências dos benefícios da Cannabis sativa para inúmeros tratamentos médico-terapêuticos. (NATIONAL ACADEMIES OF SCIENCES, ENGINEERING, AND MEDICINE. The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids: The Current State of Evidence and Recommendations for Research. Washington (DC): National Academies Press (US), 2017. Disponível em: https://nap.nationalacademies.org/catalog/24625/the-health-effects-of-cannabis-and-cannabinoids-the-current-state. Acesso em 21/08/2023).

[5] SOLLITO, André. O legado de Raphael Mechoulam, considerado o pai da cannabis medicinal, Veja Abril. [s.l.], 13 mar. 2023. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/cannabiz/o-legado-de-raphael-mechoulam-considerado-o-pai-da-cannabis-medicinal. Acesso em 21/08/2023.

[6] BRASIL. Senado Federal. Uso Medicinal da Cannabis. Brasília: Instituto de Pesquisa DataSenado, 2019, p. 4.

[7] A referida Resolução (i) restringiu a prescrição médica somente aos casos de Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa; (ii) proibiu que profissionais da saúde ministrassem palestras e cursos sobre uso de produtos originados de Cannabis fora do ambiente científico; e (iii) vedou a prescrição de Cannabis in natura a qualquer paciente, cf. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Aprova o uso do canabidiol para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa. Resolução n. 2.324, de 14 de outubro de 2022. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2022/2324. Acesso em: 29/08/2023.

[8] PODER360. Pacientes e médicos protestam contra restrição do canabidiol. Poder 360. [s. l.], 2023. Disponível em: ttps://www.poder360.com.br/saude/pacientes-e-medicos-protestam-contra-restricao-do-canabidiol/. Acesso em: 21/08/2023.

[9] A Resolução nº 2.324/2022 do CFM foi suspensa por meio da Resolução nº 2.326/2022.

[10] IAB. Comissão de Criminologia. Parecer sobre o Substitutivo da Comissão Especial ao Projeto de Lei nº 399/2015, em trâmite na Câmara dos Deputados, que dispõe sobre marco regulatório da Cannabis spp. no Brasil. Parecer na Indicação, n. 24/2022. Relatores: Ana Heymann Arruti e Ladislau Porto. Disponível em: https://www.iabnacional.org.br/pareceres/pareceres-votados/parecer-na-indicacao-n-024-2022-11855. Acesso em 21/08/2023.

[11] A título de ilustração, cf. D’ALESSANDRO, Francisco Martini. Registro de patente e regulação sanitária de medicamentos derivados da cannabis. In: Derechos Intelectuales, Vol. 27, Tomo II, org. Associação Inter-Americana da Propriedade Intelectual (ASIPI), 2022, pp. 34-80.

[12] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 399, de 23 de fevereiro de 2015. Dispõe sobre marco regulatório da Cannabis spp. no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/947642. Acesso em 04/09/2023.

[13] BRASIL. Levantamento Nacional De Informações Penitenciárias – INFOPEN. Período Julho a dezembro de 2022. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen. Acesso em 21/08/2023.

[14] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023, p. 60. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em 21/08/2023.

[15] BRASIL. Decreto nº 54.216, de 27 de agosto de 1694. Promulga a Convenção Única sobre Entorpecentes. Brasília, Presidente da República, 1964. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/atos/decretos/1964/d54216.html. Acesso em 21/08/2023.

[16] AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 03, de 26 de janeiro de 2015. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/legislacao#/. Acesso em: 04/09/2023.

[17] AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 17, de 06 de maio de 2015. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/legislacao#/. Acesso em: 04/09/2023.

[18] Canabinóide é uma expressão genérica utilizada para descrever substâncias encontradas na Cannabis sativa que, se utilizadas por seres humanos, ativam receptores canabinóides.

[19] AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 327, de 09 de dezembro de 2019. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/legislacao#/. Acesso em: 04/09/2023.

[20] AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 660, de 30 de março de 2022. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/legislacao#/. Acesso em: 04/09/2023.

[21] AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Nota Técnica nº 35, de 19 de julho de 2023. Apresenta a lista de produtos derivados de Cannabis de que trata o parágrafo 3º do artigo 5º, da RDC nº 6600/2022. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/importacao-de-cannabis-in-natura-e-partes-da-planta-nao-sera-permitida. Acesso em: 04/09/2023.

[22] A decisão consta do processo nº 25351.421833/2017-76, referente à “Proposta de Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) que dispõe sobre os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta Cannabis spp. exclusivamente para fins medicinais ou científicos, e dá outras providências”, cf. informação disponível em: https://www.sinpojud.org.br/siscon/print.php?id=17415. Acesso em 04/09/2023.

[23] BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm. Acesso em 04/09/2023.

[24] Decisões proferidas no Recurso em Habeas Corpus (RHC) nº 147.169/SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior; no Recurso Especial (REsp) nº 1.972.092/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti; e no Habeas Corpus (HC) nº 779.289, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

[25] Foi concedida a ordem de Habeas Corpus, por maioria, nos termos do voto-vista do Desembargador convocado do TJDFT Jesuíno Rissato, vencidos o Ministro Messod Azulay Neto e o Desembargador João Batista Moreira, convocado do TRF1.

[26] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Recurso Extraordinário 635659. Min. Alexandre de Moraes, 02 de agosto de 2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4034145. Acesso em: 06/09/2023.

[27] Idem.

[28] “Pensando em termos de possibilidades de modelos de controle, no amplo espectro das opções normativas disponíveis entre os dois polos (proibição total/mercado criminal não regulado e legalização total/mercado legal desregulado), é possível identificar como o melhor cenário, a partir do critério de redução de danos sociais e à saúde, a faixa regulatória denominada ‘regulação legal estrita’, situada entre a proibição com medidas de redução de danos/descriminalização e a regulação do mercado sujeita a restrições e controles. (...) as políticas relacionadas à Cannabis – antes alinhadas a paradigmas mais repressivos – estão sendo gradualmente flexibilizadas.” (MARONNA, Cristiano Avila. Lei de Drogas interpretada na perspectiva da liberdade. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022, p. 183.)

[29] POLICARPO, Frederico. O papel das Associações Canábicas: o atendimento das demandas por justiça, direito e saúde aos cidadãos brasileiros. In: ZANATTO, Rafael Morato (Org.). Introdução ao Associativismo Canábico. São Paulo: Disparo Comunicação e Educação - IBCCRIM - PBPD, p. 49-53, 2020.

[30] ZANATTO, Rafael Morato. Associativismo Canábico: passado, presente e futuro. In: ZANATTO, Rafael Morato (Org.). Introdução ao Associativismo Canábico. São Paulo: Disparo Comunicação e Educação - IBCCRIM - PBPD, p. 34, 2020.

[31] KAYA MIND. Anuário da Cannabis no Brasil 2022: A Regulamentação da Cannabis no Brasil e seus Desdobramentos no Mercado. São Paulo, 2022, p. 48-50.

[32] A Decisão que concedeu a autorização de cultivo à Santa Cannabis (Associação de Cannabis Medicinal de Santa Catarina) foi proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 5030058-16.2019.4.04.7200, que tramitou na 2ª Vara Federal de Florianópolis, Seção Judiciária de Santa Catarina. Atuaram no processo, os advogados Ladislau Porto e Walter Beirith Freitas.

[33] A Autorização Especial Simplificada está prevista na RDC nº 99/2008 da ANVISA. (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 99, de 30 de dezembro de 2008. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2008/rdc0099_30_12_2008.html. Acesso em: 04/09/2023).

[34] KREPP, Anita. Uma nova era da cannabis no Brasil. Poder 360. [s. l.], 23 dez. 2022. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/uma-nova-era-da-cannabis-no-brasil/. Acesso em: 04/09/2023.

[35] NEW FRONTIER DATA. Cannabis Medicinal no Brasil: visão geral 2018. Washington, DC: Frontier Financial Group Inc., 2018. Disponível em: https://newfrontierdata.com/product/brazil-2018-portuguese/. Acesso em: 31/08/2023.

[36] KAYA MIND, op. cit., p. 13.

[37] FARIAS, Erika. Debate no SUS: Novos tempos: cannabis medicinal ganha espaço no SUS. Revista POLI: saúde, educação e trabalho. Rio de Janeiro. Ano XV, nº 89, mai-jun, 2023, p. 14. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacoes/revista-poli. Acesso em 21/08/2023.

[38] FOLHA DE SÃO PAULO. Ministra da Saúde quer diálogo com a sociedade e políticas com embasamento científico. Folha de S. Paulo. [s.l.], 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2023/01/ministra-da-saude-quer-dialogo-com-a-sociedade-e-politicas-com-embasamento-cientifico.shtml. Acesso em: 04/09/2023.

[39] ARCURI, Rafael. Cannabis em 2023: mais pragmatismo, poucas surpresas. Poder 360. [s. l.], 03 jan. 2023. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/cannabis-em-2023-mais-pragmatismo-poucas-surpresas/. Acesso em: 04/09/2023.

[40] KAYA MIND, op. cit., p. 37-39.

[41] KAYA MIND, op. cit., p. 44.

[42] KAYA MIND, op. cit., p. 82.

[43] “(...) o maior investimento de todos os mapeados pela Kaya Mind foi o da GreenCare, importadora de derivados da cannabis, em 2021, que obteve R$ 55 milhões em dois diferentes aportes.” KAYA MIND, op. cit., p. 82.

[44] KAYA MIND, op. cit., p. 102.

39 TECCHIO, Manuela. Bob Burnquist e chef Alex Atala investem no mercado da maconha; veja entrevista. CNN Brasil. São Paulo, 05 set. 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/bob-burnquist-e-chef-alex-atala-investem-no-mercado-da-cannabis-veja-entrevista/. Acesso em: 04/09/2023.

[46] O setor é protagonista mundial no mercado financeiro desde 2019, cf. DE LUCA, Cristina; et. al. O bem-estar é um bom negócio? Com um mercado trilionário que deve crescer até 10% ao ano, o wellness se tornou prioridade na vida de milhões de pessoas. The Shift [s.l.], 24 abr. 2021. Disponível em: https://theshift.info/hot/o-bem-estar-e-um-bom-negocio/. Acesso em: 04/09/2023.

[47] KAYA MIND, op. cit., p. 116.

[48] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”.

[49] MACHADO, Antônio Alberto. Novos paradigmas para a teoria do direito. Em: SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; et. al (orgs.). O Direito Achado na Rua: Introdução crítica ao direito como liberdade. Brasília: UnB, vol. 10, 2021, p. 196.

[50] FERREIRA, António Casimiro. Desigualdades, "Efeito Mateus" e Exceção Sócio-jurídica. In: SOUZA JUNIOR, José Geraldo de; et. al (Orgs.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: UnB, vol. 10, 2021, p. 149.

[51] MACHADO, op. cit., p. 196.

[52] Idem, ibidem.

[53] LYRA FILHO, Roberto. Para uma visão dialética do direito. In: Sociologia e direito: leituras básicas de sociologia jurídica, 1980. p. 71-73.

[54] FERREIRA, António Casimiro. Desigualdades, "Efeito Mateus" e Exceção Sócio-jurídica. In: SOUZA JUNIOR, José Geraldo de; et. al (Orgs.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: UnB, vol. 10, 2021, p. 150.

[55] ZANATTO, op. cit., p. 35.

[56] CASTRO, Grasielle. Cannabis medicinal se torna realidade no Brasil, mas esbarra na falta de legislação. JOTA. São Paulo, 27 fev. 2023. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/cannabis-medicinal-se-torna-realidade-no-brasil-mas-esbarra-na-falta-de-legislacao-27022023. Acesso em 29/08/2023.

[57] CINTRA, Guilherme. Saúde: direito ou mercadoria? In: SOUZA JUNIOR, José Geraldo de; et. al (Orgs.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito à Saúde. Brasília: UnB, vol. 4, 2009, p. 439-440.

[58] “(...) o capitalismo global, mais que um modo de produção, é hoje um regime cultural e civilizacional, portanto, estende cada vez mais os seus tentáculos a domínios que dificilmente se concebem como capitalistas, da família à religião, da gestão do tempo à capacidade de concentração, da concepção de tempo livre às relações com os que nos estão mais próximos, da avaliação do mérito científico à avaliação moral dos comportamentos que nos afetam. Lutar contra uma dominação cada vez mais polifacetada significa perversamente lutar contra a indefinição entre quem domina e quem é dominado, e, muitas vezes, lutar contra nós próprios.” Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p. 09-10.

[59] A tomada de decisões referentes à proibição de determinadas substâncias, psicotrópicas ou não, sempre foi determinada por interesses econômicos. A título de ilustração, a primeira grande proibição da qual se tem maiores registros, atinente ao ópio, na China do século XVIII, foi decretada sob o argumento de que a importação do produto, vindo majoritariamente de Portugal, desequilibrava a sua balança comercial; em contrapartida, a defesa intransigente do princípio do “livre comércio” por parte do país exportador rendeu fortunas aos portugueses, especialmente ao Ministro Lord Palmerston, que conduziu as “guerras do ópio” e foi uma das pessoas que mais enriqueceu com a venda da substância à China. Posteriormente, quando a China passou a permitir o plantio da papoula e deixou de ser dependente do ópio estrangeiro, em poucos anos o parlamento inglês passou a considerar o tráfico de ópio moralmente injustificável (cf. VALOIS, Luís Carlos, op. cit., pp. 39/49). O lucrativo comércio do ópio também foi a base da fortuna de muitas famílias norte-americanas ligadas à política, contudo, o declínio da exportação devido às medidas menos proibicionistas tomadas pelo governo chinês permitiu a influência das sociedades religiosas que pregavam a abstinência das substâncias psicotrópicas, permitindo o ingresso moral dos missionários na estrutura comercial capitalista (Idem, pp. 52/57). Especificamente no que tange à maconha, a sua criminalização surge no âmbito da política interna dos EUA, quando, após o fim da proibição do álcool, os agentes que antes integravam as equipes de repressão viram-se sem função, o que obrigou o Departamento de Narcóticos a expandir para acomodar esse contingente e, consequentemente, gerou a necessidade de se ampliar o seu rol de inimigos. Devido à grande quantidade de imigrantes mexicanos desempregados, o Departamento viu no uso da maconha a oportunidade ideal para expandir suas atividades, o que foi incentivado e estimulado pelos magnatas da indústria têxtil, que viam no papel originário do cânhamo, material rico em fibras, um produto demasiadamente competitivo (Idem, pp. 114/126).

[60] Nos EUA, os estudos tiveram grande redução na metade do século XX, tendo em visto o aumento da política proibicionista, cf. MIKURIYA, Tod H. op. cit., p. 37-38.

[61] Nos EUA pesquisas sobre substâncias alucinógenas demonstraram serem estas as mais eficientes para aliviar o sofrimento de pacientes psiquiátricos, proporcionando-lhes dignidade, cf. KREPP, Anita. A magia dos cogumelos: pesquisas mostram que psilocibina tem ótimos resultados em tratamentos de depressão. Poder 360. [s. l.], 22 abr. 2022. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/a-magia-dos-cogumelos/. Acesso em: 29/08/2023.

[62] “Defensores da penalização da conduta fundamentam seus argumentos na estrutura química da Cannabis, com o objetivo de fazer prevalecer a ideia de que a proibição está alicerçada na própria essência da substância, que seria intrinsicamente maléfica. No entanto, os que sustentam tal posição deixam de considerar que outras drogas como o álcool e o tabaco também possuem estruturas químicas que podem ser prejudiciais à saúde e não são proibidas. Ao revés, em relação à Cannabis, a ciência atesta os benefícios que podem ser usufruídos da planta (...)”. Cf. IAB, op. cit., pp. 25-26.

[63] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal: parte geral. 9ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 28-29.

[64] BATISTA, Vera Malaguti. Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. 2ed, Rio de Janeiro: Revan, 2018. p. 19-23.

[65] SANTOS, Juarez Cirino dos. As Raízes do Crime: um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência. 2ª ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2022, p. 150-151.

[66] A Criminologia reflete sobre o processo de estigmatização desde quando autores como Howard Becker, representantes da chamada criminologia da reação social, passam a analisar o fenômeno criminal sob o enfoque do “etiquetamento”, também chamado de labelling approach. Tal enfoque destaca que “o desviado é aquele que ao desenvolver um comportamento não desejado recebe uma etiqueta (label), que o marcará para os seus comportamentos futuros”. Cf. ANITUA, Gabriel Ignacio. História dos pensamentos criminológicos. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008, p. 592.

[67] SANTOS, Juarez Cirino dos. Criminologia: Contribuição para Crítica da Economia da Punição. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021, p. 179.

[68] Idem, p. 178-181.

[69] VALOIS, Luís Carlos. op. cit., p. 396

[70] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em 21/08/2023.

[71] OAB-RJ. Presidência do Conselho Seccional; Comissão de Segurança Pública; e Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária. Ofício nº 310/GAB/2022. Rio de Janeiro: OAB-RJ, 14 de junho de 2022, p. 8.

[72] A letalidade policial no Brasil e especialmente no Rio de Janeiro foi objeto de decisões do Supremo Tribunal Federal na ADPF 635 e da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília.

[73] MBEMBE, Achille, 2019, apud COSTA, Alexandre Bernardino; et. al. A Trajetória Teórica e Prática de O Direito Achado na Rua no Campo dos Direitos Humanos: humanismo dialético e crítica à descartibilidade do ser humano. In: SOUZA JUNIOR, José Geraldo de; et. al (Orgs.) O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: UnB, vol. 10, p. 203-215, 2021.

[74] GOES, Luciano; Lívia Sant’Anna Vaz e Chiara Ramos (coord.). Direito penal antirracista. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2022, p. 45.

[75] Idem, p. 48.

[76] KARAM, Maria Lucia. Drogas: dos perigos da proibição à necessidade da legalização. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63, p. 9, out./dez, 2013.

76 CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil (do discurso oficial as razões da descriminalização). Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre, UFSC, 1996, p. 181-182.

[78] “Sob o pretexto de proteger o bem comum, se vale o poder público de normas penais para proteger interesses dos grupos sociais hegemônicos e estabelece, de antemão, quem são os indivíduos suscetíveis à estigmatização da sanção penal, que vêm a ser aqueles pertencentes grupos sociais vulneráveis, especialmente os que se encontram à margem do mercado de trabalho e do consumo social”. Cf. IAB, op. cit., pp. 37-38.

[79] GOES, Luciano. op. cit., p. 50/51.

[80] Idem, p. 51.

[81] GOES, Luciano. op. cit., p. 48/50.

[82] SEMER, Marcelo. Sentenciando Tráfico: o papel dos juízes no grande encarceramento. 2ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 311.

[83] Idem, ibidem.

[84] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em 21/08/2023.

[85] “(...) as origens históricas da proibição da Cannabis no território brasileiro são muito anteriores à Ditadura Militar e remontam ao Rio de Janeiro de 1830, quando a Câmara Municipal promulgou a “Lei do Pito Pango”, nome pelo qual a substância era conhecida, que direcionava expressamente a criminalização aos escravos que a consumissem. (...) A legislação proibicionista é racista desde aquela época, pois criminalizava a cultura negra ao reprimir o uso por parte dos escravos e apresentava tratamento diferenciado aos vendedores brancos, penalizados com mera multa”. Cf. IAB, op. cit., p. 27.

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Publicado

22.09.2025

Como Citar

Marcia Dinis. (2025). O DIREITO DA CANNABIS NO BRASIL: MEDICINA, GUERRA ÀS DROGAS E MANUTENÇÃO DO PODER NA SOCIEDADE CAPITALISTA. Revista Eletrônica Da OAB-RJ. Recuperado de https://revistaeletronicaoabrj.emnuvens.com.br/revista/article/view/540

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