CRISE MACROECONÔMICA E REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DA CONCESSÃO

Autores

  • Fernando Vernalha Guimarães

Palavras-chave:

CRISE MACROECONÔMICA, REEQUILÍBRIO ECONÔMICO, FINANCEIRO DA CONCESSÃO

Resumo

O tema do reequilíbrio econômico-financeiro das concessões impactadas por crises macroeconômicas vem adquirindo grande importância na atualidade, particularmente em vista das dificuldades financeiras pela qual passam muitos contratos concessionários sob o atual quadro recessivo do país. Essas dificuldades não são triviais e têm colocado esses contratos em rota de extinção. Sufocados pela drástica redução dos níveis de demanda, o que tem desencadeado especialmente a inexecução de obrigações financeiras, muitos destes ativos rumam para a caducidade ou para outras vias de extinção, como a relicitação. Neste contexto, tem sido recorrente discutir-se o enquadramento da crise macroeconômica de 2014 como evento hábil a ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro desses contratos, buscando assegurar-se a sobrevivência das concessões. Como não poderia deixar de ser, esses enfrentamentos passam primeiramente pela consideração da matriz de risco contratualmente estabelecida e, sucessivamente, pelo exame da tutela jurídica dos riscos extracontratuais.

Embora não seja o propósito deste texto analisar casos concretos, é importante para o exame abstrato do tema considerar algumas opções alocativas de riscos que têm sido feitas nos contratos concessionários celebrados nos últimos anos (particularmente relacionados a rodovias e aeroportos), o que tem influenciado a percepção das Administrações quanto ao seu (des)equilíbrio econômico-financeiro. Neste particular, boa parte deles optou por alocar o risco de demanda integralmente ao concessionário privado, atribuindo a responsabilidade por eventos gravosos qualificados como caso fortuito e força maior ao poder concedente. Esta opção alocativa tem embasado o entendimento, por parte das concedentes, de que os efeitos do impacto da crise nos custos desses contratos devem ser atribuídos à conta do risco de demanda. Essa compreensão afasta o direito ao reequilíbrio dos concessionários e tende a negar a caracterização de crises macroeconômicas agudas, como a de 2014, como evento de caso fortuito e de força maior.

Impasses desta natureza têm suscitado diversas questões relacionadas não apenas à dimensão do risco de demanda que recorrentemente é assumido pelos concessionários de serviços públicos, mas especialmente do chamado risco ordinário da economia. Neste particular, e quando os contratos são omissos em relação à alocação mais especifica do risco de crises macroeconômicas, uma questão fundamental é analisar se e em que contexto essas crises podem caracterizar-se como evento equiparável à chamada álea extraordinária referida na alínea “d” do inciso II do artigo 65 da Lei 8.666/93, discussão que aproveita também à alocação contratual do risco de caso fortuito e força maior ao poder concedente.

Além disso, a problemática dos contratos concessionários sufocados pelos efeitos da crise macroeconômica de 2014 e os custos derivados da desinteligência entre poder concedente e concessionários quanto ao seu reequilíbrio episódico têm ensejado discussões acerca do aperfeiçoamento da opção alocativa de riscos de contratos concessionários, com vistas a torna-los menos suscetíveis ao impacto das crises. Parece haver um consenso cada vez maior entre reguladores e operadores acerca da necessidade de os contratos concessionários previrem mecanismos de proteção contra a ocorrência de fatos externos e imprevisíveis, como as turbulências econômicas capazes de produzir variações acentuadas na demanda.

O tema da repercussão das crises econômicas nas concessões pode ser examinado, portanto, a partir de dois enfoques distintos. O primeiro, atinente aos mecanismos contratuais aptos a neutralizar os efeitos acentuados que essas crises podem gerar no fluxo de caixa das concessões. Trata-se de discutir de que modo esse risco pode ser melhor alocado no contrato de concessão. O segundo, voltado a problematizar a sua caracterização como um evento próprio da álea extraordinária (e extracontratual), para os fins de atrair a tutela jurídica do reequilíbrio contratual.

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Referências

Referências bibliográficas

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GUIMARÃES, Fernando Vernalha. PETIAN, Angelica. RILLO, Regina. ROSÁRIO, Larissa. Distribuição de riscos nas concessões rodoviárias. Brasília: Senai/CBIC. 2017. https://cbic.org.br/infraestrutura/wp-content/uploads/sites/26/2018/09/guia_de_riscos.pdf. Acesso em 01 de novembro de 2018.

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VELLOSO, Raul. Recessão extraordinária e o abalo das concessões de 2013: Instituto Nacional de Altos Estudos. Rio de Janeiro, 2016.

Notas de Rodapé:

[1] Pós-doutor pela Columbia University School of Law (NY, EUA - Visiting Scholar, 2017). Doutor em Direito pela UFPR. Professor de direito administrativo de diversas instituições. Autor de livros na área de infraestrutura. Advogado e sócio do VGP Advogados.

[2] “O equilíbrio econômico-financeiro nas concessões e PPPs: formação e metodologias para recomposição”, In Contratos administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e a taxa interna de retorno (MOREIRA, Egon B. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p.89-106); “Repartição objetiva de riscos nas parcerias público-privadas”, in Enciclopédia Jurídica da PUCSP – Tomo Direito Administrativo. https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/28/edicao-1/reparticao-de-riscos-nas-parcerias-publico-privadas; “Alocação de riscos na PPP”, In Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004. Coord. Marçal Justen Filho e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, páginas 240 e 241. Parceria Público-Privada, 2a. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 303.

[3] Pode-se entender que, embora contratualmente alocado ao pode concedente, esse risco está, de fato, alocado ao usuário, pois a recomposição da equação econômico-financeira se dará por meio der revisão tarifária, como dispõe a referida norma.

[4] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. “Alocação de riscos na PPP”, In Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004. Coord. Marçal Justen Filho e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 244.

[5] Considerando-se que o provisionamento de custos para riscos pressupõe em geral a multiplicação do percentual de probabilidade de sua ocorrência pelos custos necessários para reparar os prejuízos de sua materialização, é fácil perceber que a utilização do seguro pode significar alternativa mais eficiente comparativamente à hipótese retenção do risco pelo poder concedente. Isso porque os seguros contam com instrumentos de incentivo à prevenção do risco, ao passo que o poder concedente não é um agente estimulado a exerce-la, dada sua facilidade de transferir as eventuais perdas a terceiros (contribuintes e usuários).

[6] Se, ao longo da execução da concessão, o risco deixar de ser passível de cobertura por contrato de seguro a preços razoáveis, será conveniente que a responsabilidade por sua materialização retorne ao poder concedente, a depender da previsão em contrato.

[7] Veja-se GUASCH, J. Luis. Granting and renegotiating infrastructure concessions: doing it right, p. 35.

[8] Além disso, uma dificuldade marcante no enfrentamento da questão marcante está em bem demarcar a relação de causalidade entre a crise e os prejuízos suportados na operação da concessão. Em muitos casos, as crises caracterizam-se como causa raiz para prejuízos diversos associados imediatamente a outros riscos alocados contratualmente. O impacto das crises nos preços de certos insumos é um exemplo. Assim como o é a queda acentuada nos níveis de demanda do serviço derivada de crises de cunho recessivo. Embora o risco de variação no preço de insumos, assim como o risco de demanda possam estar contratualmente associados à responsabilidade do concessionário, desde que a crise econômica seja um risco identificado no contrato como de responsabilidade do poder concedente, ou apto a atrair a tutela da álea extraordinária e extracontratual, sua materialização ensejará o reequilíbrio da concessão.

[9] Vide também GUIMARÃES, Fernando Vernalha. PETIAN, Angelica. RILLO, Regina. ROSÁRIO, Larissa. Distribuição de riscos nas concessões rodoviárias. Brasília: Senai/CBIC. 2017. https://cbic.org.br/infraestrutura/wp-content/uploads/sites/26/2018/09/guia_de_riscos.pdf. Acesso em 01 de novembro de 2018.

[10] Um dos critérios muito debatidos no direto europeu para diferenciar os contratos de concessão de contratos convencionais de empreitada foi precisamente a alocação do risco de exploração do negócio sob a responsabilidade do concessionário. Para fins de aplicação do regime jurídico correspondente, discutia-se se determinado ajuste pressupunha a transferência do risco de exploração do negócio (que se confunde com o risco de demanda) para que fosse submetido à disciplina da concessão de serviço público.

[11] Eis o texto da norma: “Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.

[12] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. “Alocação de riscos na PPP”, In Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004. Coord. Marçal Justen Filho e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

[13] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. “Repartição objetiva de riscos nas parcerias público-privadas”, in Enciclopédia Jurídica da PUCSP – Tomo Direito Administrativo. https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/28/edicao-1/reparticao-de-riscos-nas-parcerias-publico-privadas.

[14] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. “Alocação de riscos na PPP”, In Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004. Coord. Marçal Justen Filho e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 238.

[15] Vide JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral da Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 401.

[16] Apenas no setor rodoviário, sete trechos da 3a. Etapa do Programa de Concessões de Rodovias Federais foram licitados. Já no setor aeroportuário, foram assinadas neste período as concessões de Guarulhos (SP), Brasília, Viracopos (SP), Confins (MG) e Galeão (RJ). De acordo com reportagem da edição de 18 de maio de 2018 do Estadão, estes terminais operavam com uma demanda em média em 30% abaixo da projetada na licitação. https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,demanda-de-primeira-leva-de-aeroportos-concedidos-esta-30-abaixo-do-previsto,70002313497.

[17] VELLOSO, Raul. Recessão extraordinária e o abalo das concessões de 2013: Instituto Nacional de Altos Estudos. Rio de Janeiro, 2016, p. 20.

[18] Recessão extraordinária e o abalo das concessões de 2013: Instituto Nacional de Altos Estudos. Rio de Janeiro, 2016, p. 20.

[19] GONÇALVES, Pedro Costa, com colaboração de MACHADO, Carla e MOREIRA, José Azevedo. Direito dos Contratos Públicos. Coimbra: Almedina, 2016. p. 559.

[20] Sirva de exemplo julgado do Superior Tribunal de Justiça, que convive com outros em sentido contrário: “CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO VÍNCULO. DESVALORIZAÇÃO DO REAL. JANEIRO DE 1999. ALTERAÇÃO DE CLÁUSULA REFERENTE AO PREÇO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO E FATO DO PRÍNCIPE. 1. A novel cultura acerca do contrato administrativo encarta, como nuclear no regime do vínculo, a proteção do equilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico de direito público, assertiva que se infere do disposto na legislação infralegal específica (arts. 57, § 1º, 58, §§ 1º e 2º, 65, II, d, §§ 5º e6º, da Lei 8.666/93). Deveras, a Constituição Federal ao insculpir os princípios intransponíveis do art. 37 que iluminam a atividade da administração à luz da cláusula manter da moralidade, torna clara a necessidade de manter-se esse equilíbrio, ao realçar as 'condições efetivas da proposta'. 2. O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte-americano, configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes. 3. Rompimento abrupto da equação econômico-financeira do contrato. Impossibilidade de início da execução com a prevenção de danos maiores. (ad impossiblia memo tenetur). 4. Prevendo a lei a possibilidade de suspensão do cumprimento do contrato pela verificação da exceptio non adimplet contractus imputável à administração, a fortiori, implica admitir sustar-se o 'início da execução', quando desde logo verificável a incidência da 'imprevisão' ocorrente no interregno em que a administração postergou os trabalhos. Sanção injustamente aplicável ao contratado, removida pelo provimento do recurso. 5. Recurso Ordinário provido”. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 15.154-PE (publicado no DJU de 2/12/2002), Rel. Ministro Luiz Fux.

Há também recente Acórdão do TCU, onde se reconheceu que “a variação da taxa cambial (para mais ou para menos) não pode ser considerada suficiente para, isoladamente, fundamentar a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Para que a variação do câmbio seja considerada um fato apto a ocasionar uma recomposição nos contratos, considerando se tratar de fato previsível, deve culminar consequências incalculáveis (consequências cuja previsão não seja possível pelo gestor médio quando da vinculação contratual), fugir à normalidade, ou seja, à flutuação cambial típica do regime de câmbio flutuante e, sobretudo, acarretar onerosidade excessiva no contrato a ponto de ocasionar um rompimento na equação econômico-financeira, nos termos previstos no art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993”. (Acórdão nº 1431/2017 – TCU – Plenário).

[21] Não estou aqui sustentando a impossibilidade de o contrato alocar à responsabilidade do concessionário riscos extraordinários, como os de caso fortuito e força maior e de crises macroeconômicas recessivas de grande intensidade, embora essa seja em princípio uma opção juridicamente inadequada em função da projeção do princípio da eficiência, pelas razões mencionadas atrás. Mas desde que o contrato de concessão não tenha feito essa opção, não faz sentido que o reequilíbrio fundado na ocorrência de crises que se assim se qualifiquem seja obstado pela alegação de alocação do risco de demanda ao concessionário. Seja pela subsunção do fato ao conceito de caso fortuito e força maior, eventualmente tipificado em contrato como risco do poder concedente, seja pelo seu enquadramento na dicção da norma da alínea “d” do inciso II do artigo 65, crises desta natureza e magnitude devem desencadear o reequilíbrio contratual, sob pena de conferir-se ao conceito de risco de demanda uma abrangência capaz de neutralizar os efeitos da alocação (legislativa ou contratual) de outros riscos – cujo efeito direto na concessão seja a oscilação de demanda.

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Publicado

28.10.2025

Como Citar

Fernando Vernalha Guimarães. (2025). CRISE MACROECONÔMICA E REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DA CONCESSÃO. Revista Eletrônica Da OAB-RJ. Recuperado de https://revistaeletronicaoabrj.emnuvens.com.br/revista/article/view/653

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