DESAFIOS JURÍDICOS PARA A REGULAMENTAÇÃO DA LEI Nº 13.448/17
Palavras-chave:
DESAFIOS JURÍDICOS, REGULAMENTAÇÃO DA LEI Nº 13.448/17Resumo
O mundo da infraestrutura é dinâmico e desafiador. Em face dele, as normas jurídicas, até mesmo aquelas de natureza mais concreta – como as dos contratos que costumam reger os empreendimentos fomentados pelo Poder Público – acabam tendo, em algum momento, de se acomodar à realidade indomável do mundo dos fatos. É difícil, hoje, partir da premissa binária do tudo ou nada, em que os erros do passado induzam invariavelmente à extinção de atos e contratos – e a nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), por exemplo, é um indicativo forte da consolidação de um novo paradigma a respeito[2]. Nessa esteira, aliás, é que também se pode compreender a edição da Lei nº 13.448, de 5 de junho de 2017, que buscou enfrentar questões práticas vivenciadas no setor de infraestrutura, nomeadamente em projetos envolvendo a concessão de aeroportos, rodovias e ferrovias implementados nos últimos anos.
O presente artigo, diante desse contexto, visa a comentar alguns dos principais desafios ainda pendentes para a regulamentação da Lei nº 13.448/17. Ele procura identificar as oportunidades que o legislador deixou para o detalhamento da nova Lei, e vem alertar o leitor sobre a necessidade de uma abordagem arrojada a respeito da discricionariedade fruída pelas autoridades do Poder Executivo para esclarecer dúvidas e integrar lacunas propositalmente deixada naquele diploma legal.
Nesse sentido, pretende-se apresentar, num primeiro momento, o contexto da elaboração da Medida Provisória nº 752, de 24 de novembro de 2016, posteriormente convertida na Lei nº 13.448/17. Mostrar-se-ão as mais relevantes preocupações dos agentes envolvidos na construção da proposta legislativa, bem como os objetivos que, ao que se imagina, eles buscariam alcançar. Na sequência, a análise do texto se repartirá em três grandes temas: i) a prorrogação antecipada de contratos vincendos no setor de infraestrutura; ii) a arbitragem nos contratos de concessão; e iii) a relicitação.
Sobre o primeiro tópico, o estudo indicará as principais críticas até então opostas ao instituto das prorrogações, bem como os pontos que mereceriam detalhamento infralegal – com destaque para a extinção dos contratos de arrendamento de bens das ferrovias concedidas e a disciplina da alienação dos bens inservíveis nelas existentes. Como será visto, o legislador previu, por ocasião da prorrogação dos contratos de concessão ferroviária, que ambas as medidas (a extinção dos contratos de arrendamento e a alienação dos bens inservíveis) poderiam ser implementadas com o intuito de modernizar os serviços contratados. A regulamentação da Lei nº 13.448/17, em face disso, deve se atentar para buscar soluções ótimas, detalhando o fluxo de procedimentos e das decisões correspondentes.
Mais adiante, o presente estudo cuidará do tema da arbitragem e dos pontos que também deveriam ser tocados no detalhamento da nova Lei. Demonstrar-se-á que a proposta consignada no art. 31 do diploma legal, em especial no seu § 4º, são cruciais para se afastarem dúvidas remanescentes a respeito da arbitrabilidade de certas decisões das agências reguladoras, tomadas sob o amparo do seu poder disciplinar.
O último grande assunto tratado neste artigo, por sua vez, envolverá a denominada relicitação dos contratos de concessão que enfrentam dificuldade financeira ou operacional. Ressaltar-se-á, nesse caso, a razão de ser do instituto criado pela Lei nº 13.448/17, bem como a importância do seu tratamento no plano infralegal. Cuidar-se-á, sobretudo, de demonstrar a existência de um espaço de discricionariedade intencionalmente deixado para as autoridades responsáveis pelo detalhamento da Lei no plano normativo – cuja exploração poderá levar ao sucesso, ou a ineficácia da medida.
Ao final, compartilhar-se-á a conclusão do trabalho, em que se reiterará a necessidade de uma postura pragmática, arrojada e – claro – razoável das autoridades responsáveis pela regulamentação e também pela implementação das propostas consignadas na Lei nº 13.448/17. Em tempos de crise, será visto: há de se nutrir uma postura proativa e corajosa para se reverterem eventuais desacertos e frustrações do passado.
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Referências
Referências bibliográficas
Lei Federal nº 13.448, de 5 de julho de 2017.
Lei Federal nº 9.307/96, de 23 de setembro de 1996.
Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.
Parecer nº 1/2017 da Comissão Mista da Medida Provisória nº 752/2016. pp. 24 e 25. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020170408000600000.PDF#page=46>. Acesso em: 02/11/2018).
Parecer nº 1/2017 da Comissão Mista da Medida Provisória nº 752/2016. p. 37. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020170408000600000.PDF#page=46>. Acesso em: 02/11/2018.
TÁCITO, Caio. Arbitragem nos litígios administrativos. Revista de direito administrativo–RDA, Rio de Janeiro, nº 210, out./dez.1997.
Notas de Rodapé:
[1] Mestre em Direito Administrativo pela UFMG e Mestre em Direito (LL.M) pela Universidade de Londres (UCL). Doutorando em Direito do Estado pela USP e professor de Direito Administrativo do Instituto de Direito Público de Brasília (IDP).
[2] Trata-se do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, alterado pela recentíssima Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, a qual trouxe importantes regras de hermenêutica para o universo do Direito Público.
[3] A 3ª etapa do PROCOFE envolveu 8 trechos rodoviários, detidos pelas seguintes concessionárias: CONCEBRA, Eco 101, Ecoponte, Galvão BR-153, MGO Rodovias, MS Via, Rota do Oeste e Via 040.
[4] As concessões de aeroportos foram iniciadas em 2011 com o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Em 2012 foram licitados os aeroportos de Brasília, Guarulhos e Viracopos. Já em 2013, foi a vez dos aeroportos do Galeão e de Confins.
[5] É difícil identificar uma única causa para a crise das concessões que foram realizadas no Brasil entre os anos de 2012 e 2014. Para além do problema econômico que o País testemunhou, outras circunstâncias também teriam induzido às adversidades relacionadas a tais contratos. Entre outros fatores, cite-se, por exemplo, os altíssimos ágios oferecidos nos leilões pelas empresas vencedoras (como no caso emblemático dos aeroportos), bem como a concentração intensiva de investimentos nos primeiros anos em alguns dos contratos (traduzida na exigência de duplicação das rodovias e na ampliação de terminais de certos aeroportos).
[6] Não se pode deixar de registrar que, em alguns casos, essa dificuldade foi decorrente do fato de algumas concessionárias terem, entre os seus sócios, empresas envolvidas na denominada operação Lava-Jato, que levantou dificuldades de compliance junto ao principal financiador daqueles empreendimentos: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.
[7] Vide o art. 13 da Lei Federal nº 13.448, de 5 de junho de 2017, resultado da conversão da MP nº 752/16.
[8] O PPI também foi instituído por meio de uma medida provisória, a MP nº 727, de 12 de maio de 2016 – posteriormente convertida na Lei Federal nº 13.334, de 13 de setembro de 2017. De acordo com a Exposição de Motivos enviada ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, já se reconhecia que o País passava por “uma das piores crises econômicas da sua história”. E, “para sair desse ciclo vicioso, o Brasil precisa, em caráter de urgência, implementar medidas que estimulem o crescimento da economia e a geração de empregos” – o que pressuporia a ampliação de investimentos em infraestrutura.
[9] Entre essas propostas regulatórias adicionais, cita-se: a possibilidade de os contratos acessórios, no âmbito das concessões, ultrapassarem o prazo de vigência delas (art. 34 da Lei Federal nº 13.448/17), e a não submissão das alterações dos contratos de concessão aos limites até então fixados no art. 65 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (art. 22 da Lei Federal nº 13.448/17).
[10] Destacando os números frustrantes de investimentos em infraestrutura no Brasil (queda de 9,5% dos investimentos previstos para ferrovias, 35,3% para aeroportos e 16,1% para rodovias, no ano de 2016), o Parecer assinala que a MP nº 752/16 “seria a primeira tentativa de traduzir essa nova fase pragmática da política de investimentos em infraestrutura do governo em medidas mais concretas que permitem uma reestruturação relativamente rápida e bastante significativa das concessões atuais, que têm padecido de problemas de desenho do contrato regulatório, efeitos da crise econômica e falta de incentivos para investir” (vide o Parecer nº 1/2017 da Comissão Mista da Medida Provisória nº 752/2016. pp. 24 e 25. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020170408000600000.PDF#page=46>. Acesso em: 02/11/2018).
[11] Parecer nº 1/2017 da Comissão Mista da Medida Provisória nº 752/2016. p. 37. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020170408000600000.PDF#page=46>. Acesso em: 02/11/2018.
[12] No site do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), é possível encontrar informações sobre as concessões ferroviárias objeto das primeiras prorrogações antecipadas sob a vigência da Lei nº 13.448/17. São elas: Estrada de Ferro dos Carajás, Estrada de Ferro Vitória-Minas, Ferrovia Centro-Atlântica, MRS Logística S.A., Rumo Malha Paulista S.A. Conferir em: <https://www.ppi.gov.br/projetos1#/s/Prorroga%C3%A7%C3%A3o/u//e/Ferrovias/m//r/>. Acesso em 11/11/2018.
[13] É o que diz, explicitamente, o art. 5º, § 1º, da Lei nº 13.448/17.
[14] Veja-se o art. 2º da Lei nº 13.448/17.
[15] Arts. 10 e 11 da Lei nº 13.448/17.
[16] Trata-se da ADI 5684/DF.
[17] Trata-se da ADI 5991/DF.
[18] Veja-se que tanto o § 3º do art. 25, quanto o art. 26 da Lei nº 13.448/17 remetem a “ato do Poder Executivo”.
[19] O art. 25 § 5º da Lei 13.448/17 assim diz: “Ao contratado caberá gerir, substituir, dispor ou desfazer-se dos bens móveis operacionais e não operacionais já transferidos ou que venham a integrar os contratos de parceria nos termos do § 3o deste artigo, observadas as condições relativas à capacidade de transporte e à qualidade dos serviços pactuadas contratualmente”.
[20] Dispõe o § 1º do art. 1º da Lei nº 9.307/96: “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. E a Lei nº 8.987/95, por sua vez, mesmo antes dispunha sobre a possibilidade de adoção de formas amigáveis de solução de divergências contratuais no âmbito dos contratos de concessão (veja-se o seu art. 23, XV).
[21] TÁCITO, Caio. Arbitragem nos litígios administrativos. Revista de direito administrativo – RDA, Rio de Janeiro, nº 210, out./dez.1997.
[22] A própria Lei nº 13.448/17 ressalta esse aspecto ao definir a relicitação. Trata-se, de acordo com a Lei, do “procedimento que compreende a extinção amigável do contrato de parceria e a celebração de novo ajuste negocial para o empreendimento, em novas condições contratuais e com novos contratados, mediante licitação promovida para esse fim”.
[23] Diz o art. 14, § 1º: “Caberá ao órgão ou à entidade competente, em qualquer caso, avaliar a necessidade, a pertinência e a razoabilidade da instauração do processo de relicitação do objeto do contrato de parceria, tendo em vista os aspectos operacionais e econômico-financeiros e a continuidade dos serviços envolvidos”.
[24] Diz o art. 15, inciso II, da Lei nº 13.448/17, que do termo aditivo ao contrato de parceria constará: “a suspensão das obrigações de investimento vincendas a partir da celebração do termo aditivo e as condições mínimas em que os serviços deverão continuar sendo prestados pelo atual contratado até a assinatura do novo contrato de parceria, garantindo-se, em qualquer caso, a continuidade e a segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento”.
[25] “Art. 31. As controvérsias surgidas em decorrência dos contratos nos setores de que trata esta Lei após decisão definitiva da autoridade competente, no que se refere aos direitos patrimoniais disponíveis, podem ser submetidas a arbitragem ou a outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias.”
[26] A CCAF tem por objetivo prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolvem a União, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.