DIREITOS CULTURAIS E A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS: A INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 096/2017
Palavras-chave:
Crueldade, Animais, Ambiente e CulturaResumo
O presente artigo tem por objetivo contribuir com o debate, acerca da constitucionalidade da utilização de animais em manifestações culturais, quando estes são submetidos a práticas cruéis pelos seres humanos e a constitucionalidade da emenda a constitucional n. 096/2017, que considerou não cruel a utilização de seres não humanos sensitivos em manifestações culturais desportivas declaradas como patrimônio material ou imaterial. A análise da pesquisa observou os julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, em especial o recente julgado na ADI 4983, que julgou inconstitucional a vaquejada no Brasil e que ensejou na proposta de alteração constitucional, que resultou na emenda acima mencionada. A conclusão indica que os direitos fundamentais em questão devem ser efetivados, mas podem ser restringidos em favor de um bem maior que é a vida sadia sem sofrimento, inclusive dos seres não humanos e sensitivos.
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Referências
6- REFERÊNCIAS
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Notas de Rodapé:
[1] Membro da CDA/OAB_RJ. Mestre em Direito pela UNIFLU-FDC, Pós-Graduado em Direito e Gestão Ambiental pela UNIFLU-FDC, Procurador Geral do Município de São João da Barra-RJ de 2013 até 2016, Professor do Centro Universitário Fluminense – UNIFLU-FDC em Campos dos Goytacazes-RJ e Associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito.
[2] SARMENTO, Daniel. A Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais: Fragmentos de uma Teoria. In: BINENBOJM, Gustavo. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro: Direitos Fundamentais. V. XII. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 312-313.
[3] PECES BARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Curso de derechos fundamentales. Teoria Geral. Universidad Carlos, III de Madrid: 1999. p. 354-355. e ALEXY, Robert. Teoria dos Derechos Fundamentales, Madrid: Centro de Estúdios Contitucionales, 1997, p 507-508.
[4]PECES BARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Op. cit., p. XX. La jerarquía de los subsistemas jurídicos, dependeria por consiguiente Del grado de proximidad o de alejamento respecto de la norma básica. Así si comparamos estos subsistemas, que son creaciones intelectuales Del pensamento jurídico, com las diversas fuentes del Derecho, o formas de producción normativa del Derecho positivo, podemos constatar que la norma básica formal y material ocupa más preeminente en la Constitución, que es así la sede de la identificación de las normas en un Estado de Derecho, y que los subsistemas jurídicos que derivan inmediatamente, sin intermediarios, de dicha norma básica, se suelen situar igualmente en la Constitución.
[5] ALEXY, Robert. Op. cit., p. 503. e Gregório Peces-Barba Martinez. Op. cit., p. 357-358.
[6] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 59-60. A partir da Declaração Universal da ONU, constata-se a existência de uma nova fase, caracterizada pela universalidade simultaneamente abstrata e concreta, por meio da positivação – na seara do Direito Internacional – de direitos fundamentais reconhecidos a todos os seres humanos, e não apenas (mas também) aos cidadãos de determinado Estado. Verifica-se, nesta fase, que se encontra em pleno processo de maturação, a gradativa e intensa aproximação dos direitos humanos (considerados como os reconhecidos a todos os homens pelo Direito Internacional) e dos direitos fundamentais, mediante a construção, a exemplo do que já foi referido alhures, do que vem sendo denominado de um direito constitucional internacional.
[7] BELTRÃO, Antônio Figueiredo Guerra. Patrimônio Cultural: Conceito, Competência dos Entes Federativos e Formas Legais para sua Proteção. In: AHMED. Flávio, e COUTINHO, Ronaldo. Patrimônio Cultural e sua Tutela Jurídica, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 127. Pode-se afirmar que toda e qualquer alteração ou interação do ser humano na natureza consiste em cultura, em sentido amplo. A partir do ambiente natural o homem cria o ambiente cultural. Por óbvio, entretanto, apenas aqueles bens ou valores representativos de uma especial importância par a humanidade devem gozar de proteção legal como patrimônio cultural, sob pena de engessamento de toda a sociedade.
[8] BELTRÃO, Antônio Figueiredo Guerra. Patrimônio Cultural: Conceito, Competência dos Entes Federativos e Formas Legais para sua Proteção. In: AHMED. Flávio, e COUTINHO, Ronaldo. Patrimônio Cultural e sua Tutela Jurídica, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 130-131.
[9] PIERANGELI, José Henrique. Maus-Tratos Contra Animais. In: MILARÉ, Édis e MACHADO, Paulo Affonso Leme (org). Doutrinas Essenciais – Direito Ambiental, v. II, Ed.: Revista dos Tribunais, 2011, p. 286.
[10]ARMANDO, Nicanor Henrique Netto. A vedação de tratamento cruel contra os animais versus direitos culturais: breve análise da ótica do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 153531/SC, Desenvolvimento e Meio Ambiente – UFPR – v.29 , abril 2014, p. 174 . Disponível em: http://revistas.ufpr.br/made/article/view/32568/22444. Acesso em: 12 de outubro de 2017.
[11]Sarlet, Ingo Wolfgang. e Fensterseifer, Tiago. Direito constitucional ambiental: estudo sobre a Constituição, os Direitos Fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 44. (...) em relação aos animais não humanos deve-se reformular o conceito de dignidade, objetivando o reconhecimento de um fim em si mesmo, ou seja, de um valor intrínsecoconferido aos seres sensitivos não humanos, que passam a ter reconhecido o seu status moral e dividir com o ser humano a mesma comunidade moral. Tais considerações implicam o reconhecimento de deveres jurídicos a cargo dos seres humanos, tendo como beneficiários os animais não humanos e a vida em geral.
[12] HACHEM, Daniel Wunder e GUSSOLI, Felipe Klein. Animais são sujeitos de direito no ordenamento jurídico brasileiro?, In:GORDILHO, Heron José de Santana., SANTANA, Luciano Rocha. e SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 12, n. 03, 2017, p.144 a 145.
[13] SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos culturais e as obras audiovisuais cinematográficas: entre a proteção e o acesso. Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, p. 57, 2010.
[14] Ibdem, p. 59.
[15] Ibdem., p. 57. No mesmo artigo, em seu parágrafo primeiro, atribui o texto constitucional ao Estado a responsabilidade de proteger as manifestações culturais minoritárias dos grupos formadores e constitutivos do país, independente do elemento de identificação dos grupos. E relevante notar o uso da expressão “culturas populares”, indicando a necessidade de proteção das representações das classes populares e destituídas de poder social e político para afirmar suas manifestações.
[16] GRUBBA, Leilane Serratine, e Cadore, Caroline Bresolin Maia. Proteção ao meio ambiente, aos animais e o direito à cultura: a aplicação da fórmula do peso refinada de Robert Alexy. In:GORDILHO, Heron José de Santana., SANTANA, Luciano Rocha. e SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 12, n. 02, 2017, p.212.
[17] SANCHÍS, Luis Prieto. Neoconstitucionalismo y Ponderación Judicial. In: CARBONELL, Miguel. (Org). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trota, 2003, p. 137. Desde luego, no de todas: no de aquellas que puedan resolver-se mediante alguno de los criterios al uso, jerárquico, cronológico o de especialidad.
[18] BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional. In: BARROSO, Luis Roberto. A Nova Interpretação Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar: 2003, p. 55. De Forma muito geral, a ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para os casos difíceis (do inglês hard cases), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo – incidindo sobre a premissa menor – fatos – e produzindo como conseqüência a aplicação da norma ao caso concreto. O que ocorre comumente nos casos difíceis, porém, é que convivem, postulando aplicação, diversas premissas maiores igualmente válidas e de mesma hierarquia que, todavia, indicam soluções normativas diversas e muitas vezes contraditórias. A subsunção não tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja capaz de considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua lógica tentará isolar uma única norma para o caso. e PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 261. O vocábulo ponderação, em sua acepção mais correta, significa a operação hermenêutica pela qual são contrabalançados bens ou interesses constitucionalmente protegidos que se apresentem em conflito em situações concretas, a fim de determinar, à luz das circunstâncias do caso, em que medida cada um deles deverá ceder ou quando seja o caso, qual deverá prevalecer.
[19] SOUZA, Allan Rocha de. p. 124 – 125.
[20] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 96, de 2017)
[21] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4983/ CE, Relator: Ministro Marco Aurélio de Mello, Tribunal Pleno, j. 06/10/2016. Disponível em: www.stf.jus.br . Acesso em: 18/10/2017. Trata-se de evidente conflito de “visões de mundo” entre os que querem a proibição dessa atividade e os que a defendem, cuja resolução não pode recair na aplicação da regra do “tudo ou nada”.
De um lado, é certo que não se pode apagar essa história de parcela do povo brasileiro e passar, de repente, a proibir tal prática, tendo em vista que se estará apagando a continuidade do registro histórico, a qual repercute na própria manifestação cultural.
Do mesmo modo que o Estado deve coibir a submissão dos animais à crueldade, não se pode desconsiderar o direito de manifestação cultural quando esta, per si, é compatível com o âmbito de proteção normativa de proteção do os animais.
Por outro lado, se a prática de determinadas condutas no desempenho da atividade possa traduzir nocividade ou crueldade, esta deve ser repelida, cumprindo o disposto no art. 225 da CF.
[22] Idem.
[23] Idem.
[24] Idem.