A APLICAÇÃO DO MARCO TEMPORAL PELO PODER JUDICIÁRIO E SEUS IMPACTOS SOBRE OS DIREITOS TERRITORIAIS DO POVO TERENA
Palavras-chave:
direitos indígenas, direitos territoriais, decisões judiciaisResumo
Com base na análise quantitativa e qualitativa da jurisprudência acerca do domínio e da posse de três terras Terena em Mato Grosso do Sul - Buriti, Cachoeirinha e Taunay-Ipegue -, o presente estudo analisa como o marco temporal tem sido aplicado pelas diferentes instâncias do Poder Judiciário e como ele tem impactado o direito do Povo Terena à terra tradicionalmente ocupada. Nossa análise revela que a jurisprudência sobre direitos territoriais dos Terena pode ser dividida em três períodos: um que precede a enunciação do marco temporal, no qual grande parte das decisões favoreciam a o caráter tradicional das terras disputadas bem como a posse indígena (2003-2009); um período de disseminação e aplicação intensificada do marco temporal para suspender ou anular a demarcação de terras e impedir a posse indígena sobre territórios demarcados (2010-2014); e um terceiro período de surgimento de novas soluções institucionais para as disputas fundiárias. Sugerimos que a transição entre o segundo e o terceiro período resulta da mobilização dos Terena, sua insistência na demarcação de territórios e o desenvolvimento de novas arenas e formas de diálogo entre o movimento indígena e Poder Judiciário, e concluímos descrevendo caminhos apontados pela nossa análise para avançar os direitos territoriais dos Terena. Abstract Based on the qualitative and quantitative analysis of legal decisions concerning the ownership and possession of three Terena territories in Mato Grosso do Sul – Buriti, Cachoeirinha and Taunay-Ipegue –, the present study analyzes how the temporal mark has been applied by different instances of the Judiciary in Brazil and how it has impacts the Terena people's right to their traditionally occupied territories. Our investigation reveals that legal decisions about the Terena's territorial rights can be divided into three periods: one that precedes the enunciation of the temporal mark, in which the majority of decisions favored the traditional character of the territories (2003-2009); the second period comprises the dissemination and intensified application of the temporal mark in order to annul or suspend the demarcation of indigenous lands and hinder indigenous possession over disputed territories (2010-2013); and a third period in which new institutional solutions for land tenure disputes emerge (2014-2017). We argue that the transition between the second and third periods resulted from the mobilization of the Terena and the insistence of the social movement in the demarcation of their territories, as well as the construction of new forms of communication between indigenous groups and the Judiciary.Downloads
Referências
Referências Bibliográficas
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Notas de Rodapé:
[1] Ana Carolina Alfinito Vieira: Advogada formada em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2008), mestra em políticas públicas pela Hertie School of Governance e doutoranda em sociologia política pelo Instituto Max Planck e pela Universidade de Colônia, na Alemanha. Sua pesquisa aborda a relação entre o movimento indígena e mudanças institucionais na sociedade brasileira ao longo das últimas quatro décadas.
[2] Indígena do povo Terena, Mato Grosso do Sul. Advogado, possui mestrado em desenvolvimento local em contexto de territorialidades, doutorando em antropologia social no Museu Nacional - UFRJ. Assessor Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
[3] No âmbito do poder executivo, a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável por instituir e instruir o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas, vem sofrendo progressivos cortes orçamentários que minam sua capacidade de atender às carências e demandas das comunidades indígenas em todo o país. Ainda mais recentemente, os esforços da administração federal no sentido de emplacar políticos e figuras explicitamente contrários às reivindicações indígenas em altos cargos da Funai vem levando a uma tensão crescente entre Povos Indígenas e a administração federal. No legislativo, são diversos os projetos de lei e emendas constitucionais que, atendendo ao interesse de proprietários de terras e da bancada ruralista, restringem o direito territorial indígena. A mais conhecida dessas propostas é a Proposta de Emenda Constitucional n. 215, que transfere para o Poder Legislativo a atribuição para a demarcação de terras indígenas.
[4] O processo administrativo de demarcação de terras indígenas é instituído e instruído, nos termos do Decreto 1775 de 1996, pela Funai. Após a aprovação do Relatório Circunstanciado de Delimitação de Demarcação pela presidência da Funai, a demarcação precisa ainda ser reconhecida e a terra declarada pelo Ministério da Justiça, para posterior homologação pela Presidência da República.
[5] Hoje, graças à recuperação do Relatório Figueiredo e ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV), existem amplas provas da política de expulsão dos índios de suas terras pelo Estado brasileiro entre 1946 e 1988 (Comissão Nacional da Verdade (CNV) 2014). Usar a data da promulgação da Constituição vigente como marco para o reconhecimento de direitos significa sumariamente legitimar essa violência.
[6] STF, Pet. 3388, Relator Ministro Roberto Barroso, j. em 23/10/2013
[7] A lista dos processos consultados e das terras indígenas às quais cada processo corresponde está no Anexo 1.
[8] Esses sítios estão nos seguintes endereços: http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/; http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual; http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp.
[9] Apelação Civel 0003866-05.2001.4.03.6000.
[10] Ação ordinária 0006083-11.2007.4.03.6000.
[11] Decisão proferida no âmbito da Ação Cautelar 2556 no dia 29 de janeiro de 2010.
[12] Decisão proferida no âmbito da Ação Cível Originária no dia 7 de dezembro de 2011.
[13] Ação 0002962-04.2009.4.03.6000, decisão de 26 de fevereiro de 2010.
[14] Ação 0012204-21.2008.4.03.6000, decisão de 23 de agosto de 2011.
[15] Embargos infringentes n. 0003866-05.2001.4.03.6000, julgamento em 21 de junho de 2012, relator Des. Federal Nelton dos Santos.
[16] Ressalte-se que decisões de semelhante teor foram proferidas pela Justiça Federal também em 2014 dentro de ações declaratórias referentes a Cachoeirinha e Pílad-Rebuá.
[17] Ver, por exemplo, decisão do dia 13 de maio de 2011 no âmbito da ação de reintegração de posse 0004818-32.2011.4.03.6000.
[18] Ver, por exemplo, decisão monocrática no agravo de instrumento n, 0018810-76.2015.4.03.0000/MS, proferida pelo Desembargador Federal Paulo Fontes no dia 7 de outubro de 2015.