A ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL E O DECRETO DO RIO DE JANEIRO

Autores

  • Flavio Amaral Garcia

Palavras-chave:

ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO, PÚBLICA ESTADUAL, DECRETO DO RIO DE JANEIRO

Resumo

A utilização da arbitragem como mecanismo de solução de litígios que decorram de contratos administrativos, em especial das concessões e PPPs, é tema da maior importância no estudo do Direito Público.

O Brasil vivencia um momento crucial, no qual o desenvolvimento nacional – objetivo expressamente consignado no art. 1o da CF – depende de significativos investimentos no setor de infraestrutura, em especial nos segmentos de energia, telecomunicações, rodovias, ferrovias, aeroportos e portos.

O risco de que todos os conflitos decorrentes desses contratos administrativos sejam obrigatoriamente submetidos à jurisdição estatal pode resultar no afastamento de potenciais investidores e empresas, ou mesmo na precificação do risco judicial no momento de elaboração da sua proposta econômica para participar da licitação.

 A flexibilidade do procedimento, com regras menos formalistas do que aquelas que pautam o processo judicial (desde que respeitadas garantias fundamentais do processo), a maior celeridade na resolução dos litígios, além do conhecimento técnico que orienta a escolha e a própria atuação dos árbitros, são vantagens comumente apontadas quando se adota a arbitragem e que, consequentemente, militam a favor da sua admissibilidade no campo das relações administrativas e de direito público.

A arbitragem revela-se um mecanismo de resolução de litígios de extrema importância em um mundo globalizado, conferindo maior segurança jurídica às partes, que consensualmente elegem essa solução como meio adequado de composição de seus interesses e conflitos.

A intervenção de especialistas e experts para julgarem os litígios, a celeridade na sua resolução e, como consequência, a possibilidade de desafogar o Poder Judiciário são virtudes que tornam a arbitragem um mecanismo que efetiva e realiza o Direito. O Estado não detém o monopólio da justiça, que pode ser concretizada por outros meios dotados de idêntica legitimidade.

Todas essas vantagens da arbitragem não devem ser negadas ao Estado, que cada vez mais recorre aos contratos administrativos para operacionalizar os interesses públicos que lhe cabe tutelar. Governar por contratos é um dos pilares que alicerçam a atividade administrativa no século XXI.

A legislação setorial brasileira já havia admitido a arbitragem nos contratos administrativos, como no caso das concessões comuns (art. 23-A da Lei 8.987/1995) e das concessões patrocinada e administrativa (art. 11, III, da Lei 11.079/2004).

Mas com a alteração da Lei 9.307/1996, decorrente da Lei 13.129/2015, as dúvidas que ainda poderiam existir foram dissipadas. A questão da arbitrabilidade subjetiva da Administração Pública foi superada com a inclusão do § 1o ao art. 1o, que prescreveu de forma expressa e categórica que “a Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis decorrentes de contratos por ela celebrados”.

Foi neste novo contexto que o Estado do Rio de Janeiro editou o Decreto Estadual n° 46.245, de 19.02.18[3], com o objetivo de regulamentar a adoção da arbitragem para dirimir os conflitos que envolvam o Estado do Rio de Janeiro e as suas entidades.

Passa-se a examinar os principais aspectos da referida norma estadual.

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Referências

Referências Bibliográficas

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Notas de Rodapé:

[1] Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Sócio do Escritório Juruena e Associados e Professor de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas.

[2] O presente artigo contou com a valiosa colaboração da Analista Processual da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, Juliana Medina Matuque

[3] O Decreto foi elaborado a partir de um Grupo de Trabalho, instituído no âmbito da Procuradoria Geral do Estado por intermédio da Resolução PGE nº 3.929, de 17 de agosto de 2016 e Resolução PGE nº 3.951, de 04 de outubro de 2016 presidido pelo Procurador do Estado Sérgio Nelson Mannheimer e composto pelos Procuradores do Estado Aline Paola Correa B. Camara de Almeida, Carlos da Costa e Silva Filho, Gustavo Fernandes de Andrade, Lauro da Gama e Souza Junior, Tatiana Simões dos Santos e do subscritor do presente artigo, que tiveram o auxílio no Secretariado da Analista Processual Juliana Medina Matuque.

[4] O artigo 1º do Decreto n° 465.245/18 explicita o seu alcance: “Este decreto regulamenta a arbitragem nos conflitos envolvendo o Estado do Rio de Janeiro e as Entidades da Administração Pública Estadual Indireta, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, nos termos da Lei nº 9.307/1996”.

[5]. Na forma didaticamente exposta por António Sampaio Caramelo. Para o autor, apesar de o Direito Português ter acolhido o critério da disponibilidade do direito, a teor do disposto no art. 1o, n. 1, da Lei 31/1986 – Lei de Arbitragem Voluntária –, o critério da patrimonialidade da pretensão é o que permite mais fácil identificação das matérias suscetíveis de submissão à arbitragem” (“A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio”, in Temas de Direito da Arbitragem, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 81).

[6]. Cf. a lição de Caio Mário da Silva Pereira, Instituições do Direito Civil, 20a ed., vol. I, Rio de Janeiro, Forense, 2012.

[7]. Diogo de Figueiredo Moreira Neto pondera que: “São disponíveis, nesta linha, todos os interesses e os direitos deles derivados que tenham expressão patrimonial, ou seja, que possam ser quantificados monetariamente, e estejam no comércio, e que se constituem, por esse motivo e normalmente, como o objeto da contratação que vise a dotar a Administração ou seus delegados dos meios instrumentais de que necessitem para satisfazer os interesses finalísticos que justificam o próprio Estado” (“Arbitragem nos contratos administrativos”, in Flávio Amaral Garcia (coord.), Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro XVIII/33-34 (“Direito Arbitral”), Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006).

[8] Esse é o entendimento de Caio Tácito: “Na medida em que é permitido à Administração Pública, em seus diversos órgãos e organizações, pactuar relações com terceiros, especialmente mediante a estipulação de cláusulas financeiras, a solução amigável é fórmula substitutiva do dever primário de cumprimento de obrigação assumida. Assim, como é lícita, nos termos do contrato, a execução espontânea da obrigação, a negociação – e, por via de consequência, a convenção de arbitragem – será meio adequado de tornar efetivo o cumprimento obrigacional quando compatível com a disponibilidade de bens. Em suma, nem todos os contratos administrativos envolvem, necessariamente, direitos indisponíveis da Administração” (“Arbitragem nos litígios administrativos”, in Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), vol. 3, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 87).

[9]. Na lição abalizada de João de Castro Mendes, Direito Processual Civil – Lições, vol. I, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986-1987.

[10]. Como explica Alexandre Santos de Aragão: “Não faz sentido entender que os direitos são disponíveis para efeitos de poderem ser estabelecidos mediante a celebração de um acordo de vontades (contrato administrativo) e, de outro lado, entender que são indisponíveis para vedar que controvérsias acerca dos direitos alegadamente constituídos por esse contrato possam ser voluntariamente submetidas à solução por arbitragem” (“Arbitragem e regulação”, Revista de Arbitragem e Mediação 27/70, São Paulo, Ed. RT, outubro/2010).

[11]. Celso Antônio Bandeira de Mello delimita o conteúdo do princípio: “A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever (...). Em suma, o necessário – parece-nos – é encarecer que na Administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela” (Curso de Direito Administrativo, 33a ed., 3a tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2018, pp. 76-77).

[12]. Sobre o tema, v.: Sabino Cassese, “La arena pública: nuevos paradigmas para el Estado”, in La Crisis del Estado, Bueno Aires, Abeledo-Perrot, 2003.

[13]. Assim remarcam Arnoldo Wald e André Serrão: “O acesso à segurança jurídica, à celeridade e à especialização técnica de um tribunal arbitral pode constituir um interesse público primário, cuja indisponibilidade, ao contrário de proibir a sua utilização, estaria a exigir que a Administração Pública viesse a valer-se da arbitragem” (“Aspectos constitucionais e administrativos da arbitragem nas concessões”, Revista de Arbitragem e Mediação 16/11-32, Ano 5, São Paulo, Ed. RT, janeiro-março/2008).

[14]. Flávio Amaral Garcia, “Arbitragem na Administração Pública. Arbitragem nos contratos administrativos: aspectos gerais e a problemática das tarifas nos contratos de concessão de serviço público”, Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro XXVI/123-162, Rio de Janeiro, APERJ, 2016.

[15] Assim dispõe o dispositivo: Art. 31. As controvérsias surgidas em decorrência dos contratos nos setores de que trata esta Lei após decisão definitiva da autoridade competente, no que se refere aos direitos patrimoniais disponíveis, podem ser submetidas à arbitragem ou a outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias. (...) §4º Consideram-se controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis, para fins desta Lei: I - as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. II - o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de concessão; e III - o inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes.

[16] A Procuradoria Geral do Estado editou minuta padronizada de cláusula compromissória por intermédio da Resolução n° 4.212, de 21 de maio de 2018,

[17] Art. 3º - Os contratos de concessão de serviços públicos, as concessões patrocinadas e administrativas e os contratos de concessão de obra poderão conter cláusula compromissória, desde que observadas as normas deste Decreto.

[18] Art. 3º - (...) § 1° - Poderá, ainda, conter cláusula compromissória qualquer outro contrato ou ajuste do qual o Estado do Rio de Janeiro ou suas entidades façam parte e cujo valor exceda a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais).

[19] Atualmente esse valor foi reduzido para R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), a teor da nova redação do § 4°, do artigo 2° da Lei n° 11.079/04, alterada pela Lei n° 13.529/017.

[20] Conforme prevê o § 2º, do artigo 3º do Decreto nº 46.245/18.

[21] JUSTEN FILHO, Marçal. Administração Pública e Arbitragem: o vínculo com a Câmara de arbitragem e os Árbitros. São Paulo: Revista Brasileira da Advocacia, volume 1, nº 1, abr./jun. 2016.

[22]ANDRADE, Gustavo Fernandes de. Arbitragem e Administração Pública: Da Hostilidade à Gradual Aceitação. In: A Reforma da Arbitragem. MELO, Leonardo de Campos; BENEDUZI, Renato (Orgs.). Rio de Janeiro: Forense, 2016.

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Publicado

28.10.2025

Como Citar

Flavio Amaral Garcia. (2025). A ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL E O DECRETO DO RIO DE JANEIRO. Revista Eletrônica Da OAB-RJ. Recuperado de https://revistaeletronicaoabrj.emnuvens.com.br/revista/article/view/654

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