Direito Humano à Maternidade para Mulheres Privadas de Liberdade

Autores

  • Luciana Simas e Miriam Ventura

Palavras-chave:

Direito Humano, Maternidade, Mulheres Privadas de Liberdade

Resumo

Nas últimas décadas, intensificam-se os caminhos da advocacia na pesquisa acadêmica, problematizando fenômenos jurídicos complexos, a partir de um olhar crítico e contextualizado. Especificamente no campo da execução criminal, as pesquisas nas prisões com recorte de gênero têm apontado violações a direitos humanos, impulsionando alterações legislativas e a implantação de políticas públicas. A mulher privada de liberdade sofre com o processo de feminilização do encarceramento em massa e dados oficiais do Ministério da Justiça apontam para um crescimento significativo de 567% da população prisional feminina entre os anos 2000 a 2014 (DEPEN, 2014). Segundo informações prestadas pelo Depen no Habeas Corpus nº 143641/2017 em tramitação no Supremo Tribunal Federal, esse percentual atingiu 800% até 2016. O encarceramento produz uma série de demandas específicas de gênero, inclusive no campo da saúde pública, como o nascimento e permanência de filhos das mulheres privadas de liberdade no sistema penitenciário. Dados inéditos da primeira pesquisa nacional sobre “Nascer nas Prisões” revelam que 65% das mulheres com filhos no cárcere teve um pré-natal inadequado, registrando-se o uso de algemas em 36% das gestantes em algum momento da internação para o parto, sendo 8% algemadas mesmo durante o parto (Leal et al, 2016). As Nações Unidas editaram, em 2010, as Regras de Bangkok para regular medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, reconhecendo que uma parcela dessas mulheres não representa risco à sociedade e seu encarceramento pode dificultar sua reinserção social. Em geral, são acusadas de crimes sem violência, 72,2% são jovens, 70% são negras e 52,4% não têm sequer o ensino fundamental completo (Leal et al, 2016).3 As normas de Bangkok seguem os princípios norteadores das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos (ONU, 1955) e as Regras Mínimas das Nações Unidas para Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) (ONU, 1990). Incentivam os Estados a adotar legislações para estabelecer alternativas à prisão e a priorizar o financiamento de tais sistemas de proteção. Fundamental perceber que as Regras se referem a antes, durante e depois da aplicação da pena. Destaca-se que: “ao sentenciar ou decidir medidas cautelares a mulheres grávidas ou pessoa que seja fonte primária ou única de cuidado de uma criança, medidas não privativas de liberdade devem ser preferíveis quando possível e apropriado” (ONU, 2010). Os juízes devem considerar fatores atenuantes, tais como ausência de histórico criminal, a não gravidade relativa da conduta criminal e as responsabilidades maternas. Tanto na aplicação de prisão preventiva como em relação à execução da pena, as decisões precisam considerar favoravelmente o vínculo materno e necessidades específicas de reintegração social. Nesse sentido, as necessidades das mulheres presas devem representar diferentes cuidados com a saúde e medidas de segurança. Não se aplicarão, por exemplo, sanções de isolamento, instrumentos de coerção ou segregação disciplinar a mulheres grávidas, nem a mulheres com filhos ou em período de amamentação. Do mesmo modo, não são permitidas sanções disciplinares para mulheres presas que correspondam a proibição de contato com a família, especialmente com as crianças.

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Referências

REFERÊNCIAS

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NOTAS DE RODAPÉ:

[1]Advogada. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva - PGBIOS /IESC/UFRJ, com intercâmbio sanduíche na Universidade da Flórida - Levin College of Law. Mestre em Direito e Sociologia; especialista em Direito Público. Integrante do grupo de pesquisa Saúde Prisional da ENSP/FIOCRUZ.

[2]Advogada. Professora Adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ) e dos Programas de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (interinstitucional entre UFRJ, FIOCRUZ, UERJ e UFF) e Programa de Saúde Coletiva (IESC/UFRJ). Doutora em Saúde Pública. Membro da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ (2008/2009).

[3] Esse perfil conflui com análise local realizada por Boiteux et al, que acrescentam: “A maioria era primária (70%) [...] 75,6% tinham algum parente preso, sendo que quase metade delas tinha o seu companheiro preso (46,3%), dos quais 52,6% pelo crime de tráfico” (2015: 03).

[4] Tal direito foi regulamentado pela Resolução nº 03/2009 do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) e por diferentes normas no âmbito dos estados, diante da competência legislativa concorrente em matéria penitenciária. A respeito, ver Ventura, M.; Simas, L.; Larouzé, B., 2015.

[5] Relata o caso de uma presa grávida que, quando a bolsa de água estourou, lhe foi dito que era um “corrimento normal”, sendo-lhe dados absorventes e remédio para dor; em seguida, foi mandada de volta para a cela. Quando finalmente resolveram levá-la ao hospital, a escolta demorou, por ser ela uma detenta de “máxima cautela” (ITTC, 2009: 80).

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Publicado

28.10.2025

Como Citar

Luciana Simas e Miriam Ventura. (2025). Direito Humano à Maternidade para Mulheres Privadas de Liberdade. Revista Eletrônica Da OAB-RJ. Recuperado de https://revistaeletronicaoabrj.emnuvens.com.br/revista/article/view/691

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