O DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Autores

  • Kátia Rubinstein Tavares

Palavras-chave:

Direito Penal Garantista, Justiça Criminal, Culpabilidade pela Vulnerabilidade

Resumo

O objetivo deste estudo é analisar o princípio da culpabilidade como uma variante do postulado concernente à dignidade da pessoa humana. Procura-se demonstrar a importância de o juiz reafirmar os princípios inspiradores do garantismo, mesmo os que não se encontram expressos na Constituição Federal, mas que são decorrentes da garantia conferida à dignidade da pessoa humana, como o princípio da culpabilidade, compatível com o regime democrático adotado na atual Carta política brasileira. Por essas razões, em estudos preliminares realizados, constatou-se que o conceito de reprovação expresso em nossa legislação penal (artigo 59 do Código Penal) transformou a individualização da pena, nas decisões judiciais, em um processo de execração voltado para a conduta de vida do autor, ao invés de reprovar o fato por ele praticado. Dessa forma, pretende-se neste trabalho demonstrar que esse fato pode ser compreendido em uma perspectiva constitucional garantista, evitando a violação do Estado Democrático de Direito, em que o julgador deve considerar o princípio da dignidade humana como uma variante para amparar a culpabilidade na individualização da pena. No Brasil, as Políticas Públicas nem sempre alcançam o Poder Judiciário no exato momento em que se dá a relação entre o agente que praticou um crime e o Juiz quando da determinação da sua pena, conforme se varia no tempo histórico. Leis dispersas regulam genericamente situações protetivas, principalmente nos dias de hoje; nenhuma delas, seja por razões naturais ou sociais, é avaliada pelo Juiz em função do princípio da vulnerabilidade e, muito menos, tomando a vulnerabilidade como variável determinante da culpabilidade e pena consequente. Assim, realiza-se aqui um esforço de identificar essas situações na linha do tempo histórico, tanto nos períodos autoritários ou democráticos, como nas dimensões circunstanciais da atualidade. Abstract The purpose of this paper is to analyze the principle of blame as a variable of the postulate concerning the human dignity. It looks for demonstrating how important is the position taken by the judge in reaffirming the inspiring principles of warrantism, even those that are not expressed in the Federal Constitution, but are arising out of the warrant for the human dignity, as the principle of blame, compatible with the democratic regime adopted in the present Brazilian constitution. For those reasons, in some previous studies, it has been evident that the concept of reproach explicit in our penal legislation (article 59 of the Penal Code) transformed the individualization of punishment, in judicial decision, into a process of loathing directed to the conduct of life regarding the author, instead of reproving the fact practiced by him. So, in this paper there is an intention to demonstrate that such a fact can be understood in a warrantist constitutional perspective, avoiding the violation of the Democratic State of Law, where who judges must consider the principle of human dignity as a variable for supporting the blame in the individualization of punishment. In Brazil, Public Policies not always reach the judiciary in the exact moment in which is stablished the relationship between the agent who committed a crime and the judge when this determines his punishment, according to the changes that come up in historical time. Laws scattered in the legal system generically rule protective situations, mainly in current time; any of them is not evaluated by the judge for natural or social reasons – regarding the principle of vulnerability, but neither he takes the vulnerability as a causative variable of the blame and the consequent punishment. Therefore, an effort is accomplished here aiming to identify the situations above mentioned in the historical time frame, not only in authoritarian or democratic periods, but also in the cir-cumstantial dimensions of the present time.

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Referências

REFERÊNCIAS

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Notas de Rodapé:

[1] Advogada Criminal. Coordenadora da Revista Digital do Instituto dos Advogados Brasileiros. Doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ. Mestre em Ciências Penais pela Faculdade de Direito da Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro. Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal/IBCCRIM. Professora do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal da Universidade Candido Mendes. Diretora do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro do Conselho Superior do Instituto dos Advogados Brasileiros. Ex-Vice-Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. Ex-Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro. Site: www.tavaresassociados.adv.br/Contato:katia@tavaresassociados.adv.br/

[2] MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito penal e controle social. Tradução de Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 33.

[3] El derecho penal en el Estado social democrático de derecho. Barcelona: Ariel, 1994. p. 37.

[4] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição da República portuguesa anotada. Coimbra: Coimbra, 1984. p. 168.

[5] Segundo o conceito adequado de Canotilho: “Constituição é uma ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada num documento escrito, mediante o qual se garantem os direitos fundamentais e se organiza, de acordo com o princípio da divisão de poderes, o poder político”.

[6] Vide ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general. Buenos Aires: Ediar, 1987. t. I, p. 183 e segs.

[7] LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 381.

8 Fundamentos da Constituição. Coimbra: Almedina, 1991, p. 116.

[9] PINTO, Paulo Mota. O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, Coimbra: Coimbra, 1999. p. 151.

[10] Idem, p. 152.

[11] Cf. PIERANGELI, J. H. Escritos jurídico-penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 229.

[12] ZAFFARONI, R. E. Medidas penales en derecho penal contemporáneo: teoría, legislación positiva y realización práctica. Buenos Aires: Hammurabi, s.d., p. 29.

[13] ZAFFARONI, R. E. Em busca das penas perdidas. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 259.

[14] Idem, p. 261.

[15] FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e democracia. Revista do Ministério Público. Lisboa. v. 72. out./dez, 1997. p. 14.

[16] Grifos do autor. O direito como sistema de garantias. Revista do Ministério Público. Lisboa, v. 61, jan./mar. 1995. p. 40.

[17] Vide FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e democracia. Revista do Ministério Público. Lisboa. v. 72. out./dez., 1997, p. 19.

[18] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1985. v. 2, p.598.

[19] “Compete o Juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau de culpa, aos motivos, às circunstâncias do crime: I – determinar a pena aplicável dentre as cominadas alternativamente; II – fixar, dentre dos limites, a quantidade da pena aplicável”.

[20] “Compete ao Juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime...”

[21] “O juiz, atendendo à culpabilidade, antecedentes, reincidência e condições pessoais do acusado, bem como as oportunidades sociais a ele oferecidas, aos motivos, circunstâncias e consequências do crime e ao comportamento da vitima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente à individualização da pena...” (BRASIL, Senado. Projeto de lei do Senado PLS nº. 3.473 de 18 de agosto de 2000. Altera a Parte Geral do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 15 mar 2018.

[22] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 529.

[23] Os termos “estigma”, “etiquetamento”, “estereótipos criminosos”, constituem a chamada teoria do etiquetamento, também conhecida como “labelling approach”, bem defendida por Becker em seu livro Outsiders, que é enquadrada como a “desviação”, ou seja, uma qualidade atribuída por processos de interação altamente seletivos e discriminatórios. Tem esta teoria como objeto os processos de criminalização, ou seja, os critérios utilizados pelo sistema penal no exercício do controle social para definir o desviado como tal (BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. São Paulo: Zahar. 2008).

[24] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Culpabilidade por vulnerabilidade. Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, ano 9, n. 14, Revan, jan./dez, 2004, p. 31-48.

[25] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro. 1.ed., Rio de Janeiro: Revan, 2017. v.2, t.2, p. 169-172.

[26] Idem, ibidem.

[27] Idem, ibidem.

[28] Data da decisão: 20/07/2018. Procedimento nº 1009383-72.2018.4.01.3400, acusado Luis Alberto Castro Benites, preso no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, por tráfico internacional de drogas, ao embarcar para Portugal, levando em sua bagagem 5,780kg (cinco quilos, setecentos e oitenta gramas) de cocaína.

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Publicado

18.08.2025

Como Citar

Kátia Rubinstein Tavares. (2025). O DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Revista Eletrônica Da OAB-RJ, 30(1). Recuperado de https://revistaeletronicaoabrj.emnuvens.com.br/revista/article/view/73

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